Testemunho de Natalie Saracco
Quantas vezes a nossa fé se resume a um conjunto de ideias, doutrinas e hábitos? Participamos na Santa Missa, rezamos o terço, lemos a Sagrada Escritura, mas, na verdade, a nossa fé é mais teórica do que prática. Falamos sobre Deus, mas não falamos com Ele. Estudamos os Seus ensinamentos, mas não os deixamos iluminar a nossa vida. Bento XVI recorda-nos que, na experiência da fé, devem envolver-se todos os sentidos, pois “a fé não é apenas pensamento; a fé abrange todo o nosso ser”.
Quantos de nós conseguem realmente tocar em Deus através da fé? Quantos já experimentaram o Seu amor que brota do Sagrado Coração?
A história de Natalie Saracco, cineasta e escritora francesa, é um poderoso testemunho do amor de Cristo, sem limites. Um acidente de viação a cento e trinta quilómetros por hora, a caminho da sua residência, perto de Pacy-sur-Eure, em França, leva-nos a uma reflexão profunda sobre: o que acontece quando estamos à beira da morte? O que pensamos? O que vemos? O que sentimos?
A experiência de quase morte de Natalie, imobilizada no meio dos destroços, é o testemunho de alguém que viu de perto a sua vida a esvair-se diante de uma avalanche de emoções. Apesar das dores e do sofrimento, Natalie sentiu uma paz indescritível. Uma paz que lhe surgiu pela graça e que a ajudou a superar o medo, quando esta se encontrou interiormente com Cristo.
Natalie viu-se num lugar fora dos limites espaço-temporais e encontrou-se diante de Nosso Senhor Jesus Cristo, que lhe mostrou o seu Coração rodeado de espinhos. Nesse momento, Natalie confessou: “Ele chorava e de seu Coração escorriam lágrimas de sangue. E essas lágrimas brotavam também do meu próprio coração. Parecia-me que Ele queria que eu experimentasse o seu terrível sofrimento. Um sofrimento tão profundo que me fez esquecer o medo de morrer e as pessoas que deixava.”[1]
Segundo Natalie, esse encontro com Cristo permitiu-lhe, não só compreender Deus, como também experimentá-Lo, por meio da sua fé, pois acreditamos que, a verdadeira fé precisa de ir além do pensamento e tocar o coração, não deve ser apenas uma ideia mas uma experiência viva, que pode transformar a vida.
Presa nos destroços, Natalie uniu a sua dor à de Cristo. Sentiu que Ele chorava e que do Seu Coração escorriam lágrimas de sangue. Aquela dor levou-a a perguntar: “Senhor, por que choras?” E Cristo respondeu: “Choro porque sois os meus filhos queridos. Por vós dei a minha vida e, em troca, só recebo frieza, desprezo e indiferença”.
Este testemunho permite-nos refletir sobre o facto de, mesmo nos dias mais sombrios, Deus está presente. Ele encontra-nos no meio dos destroços, deseja que nos aproximemos do Seu Coração e, ao sentirmos a Sua presença viva e real, somos convidados a viver de forma mais plena e missionária..
Receio de não se ter confessado
Mulher de fé, católica praticante, Natalie participava regularmente na missa, comungava a eucaristia e procurava viver de acordo com os mandamentos. O seu relacionamento com Deus era tranquilo e, sobretudo, intelectual, até ao acidente. É importante salientar que, naquele momento crucial, o que mais a preocupava era o facto de não se ter confessado.
A confissão é o sacramento que nos reconcilia com Deus e purifica o coração. Nesse momento, ouviu uma voz interior que lhe dizia: “Deus conhece as intenções do teu coração.” Nesse instante, misticamente, algo sobrenatural lhe foi revelado. Natalie afirma ter sido “transportada para outra dimensão” e que foi nesse momento que Cristo lhe apareceu, mostrando-lhe o Seu Sagrado Coração rodeado de espinhos.
Esta experiência não foi apenas uma visão espiritual, mas um encontro vivo que transformou a sua fé de forma radical: “Senti-me como uma mulher que sonhou com um grande amor toda a vida e, de repente, encontrou a pessoa que tanto esperava”, confessa. Percebeu que, até então, apenas sabia sobre Deus, mas que agora O sentia no íntimo do seu ser.
Do conceito ao amor
O que Natalie experimentou é o que tantos santos tentam exprimir: a transição do conhecimento sobre Deus para a experiência de viver em Deus. “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu; Ele apascenta-Se entre os lírios” (Ct 6,3). É sentir-se amado por Ele, existir plenamente n’Ele.
A partir desta experiência, ela revela: “Pensava que conhecia o Senhor e o Seu amor, mas antes disso eram apenas palavras”. Depois do acidente, tudo mudou: a fé deixou de ser apenas um ideal para se tornar uma relação viva e profundamente apaixonada. Deus é agora um Amigo, um Amante divino, um Coração que pulsa e sofre por amor.
Após recuperar do acidente, Natalie percebeu que nunca mais seria a mesma pessoa. “O Sagrado Coração deixou uma marca indelével em mim”, afirma. Durante meses, a sua única força vinha da oração a Jesus, seu Amigo, acompanhada por uma profunda urgência de revelar ao mundo a ternura do Seu Coração amoroso.
Uma fé que toca e transforma
A transformação foi evidente. Amigos e colegas aperceberam-se de imediato, pois parecia outra pessoa. A alegria, a ternura e o fervor com que falava de Deus cativavam todos os que a ouviam. Assim, Natalie acabou por se afastar temporariamente dos cinemas para se dedicar à oração e testemunhar o amor de Cristo.
“Sou apaixonada e quero entregar tudo o que tenho ao Senhor”, afirma. A sua mudança levou-a a fazer escolhas que colocavam a evangelização em primeiro lugar, recusando algumas propostas de trabalho. “Há urgência em proclamar a Palavra e em ajudar o mundo a reconectar-se com Deus”.
O Sagrado Coração fez dela mensageira deste amor que nunca se esgota, que ama sem distinção e que continua a amar mesmo quando é esquecido. Concedeu-lhe também uma nova visão espiritual: antes, rezava apenas ocasionalmente. Agora, após ter visto Cristo, reconhece que “a oração é o nosso cordão umbilical com Deus”, uma ligação vital entre o Céu e a Terra.
O sofrimento de Cristo e a indiferença dos cristãos
Nesse encontro, Natalie sentiu a dor do Coração de Jesus, que chora pela indiferença e frieza dos Seus filhos muito amados. Não há dor maior do que ser rejeitado por quem se ama. E as palavras “a dor de Cristo não é apenas pelos pecados, mas sobretudo pelo amor recusado, pela tibieza de quem diz ter fé, mas vive uma fé fraca, apagada e superficial” ficaram gravadas no seu coração.
Desde então, Natalie repete com firmeza: “Devemos arder de amor por Ele, totalmente, por quem Ele é”.
Maria e os seus braços maternos
“O gesto mais poderoso de Jesus foi enviar-me para os braços maternos de Maria”, declarou Natalie, quando se sentiu acolhida por Maria durante a experiência mística. Embora não tivesse uma devoção especial pela Mãe de Deus, naquele abraço compreendeu intimamente o papel de Maria como a Mãe dos corações feridos, a Mãe que consola todos os que se deixam envolver pelo amor de Cristo.
O desafio de conhecer Deus com o coração
Este valioso testemunho lembra-nos algo fundamental: a fé não é apenas um ato da razão, mas também uma experiência de amor. Não basta saber quem é Deus; é necessário encontrá-Lo no coração, sermos amigos íntimos e permitir que Ele entre nas nossas vidas e nos transforme interiormente.
Talvez muitos de nós vivamos uma fé tranquila e correta nos hábitos, como Natalie antes do acidente, mas onde está o fogo? Onde está o ardor? O amor apaixonado por Cristo? Por vezes, o Senhor permite que aconteçam coisas que nos abalam, não para nos castigar, mas para nos despertar da indiferença.
Deus não deseja apenas ser conhecido pela mente, mas sim ser amado, vivido e sentido com o coração. O cristianismo não nasceu de ideias sobre o amor, mas da experiência viva do amor que Se fez carne, que Se oferece no altar e Se entrega na cruz por aqueles que acreditam.
Quando alguém toca neste amor, a vida renova-se. Tal como Natalie O tocou e foi transformada, também nós somos chamados a testemunhar e a espalhar por este mundo o ardor divino. Conhecer Deus apenas com a mente pode gerar admiração, mas é necessário conhecê-Lo com o coração para se alcançar a conversão. E é disso que o mundo mais precisa: menos discursos e mais testemunhos; menos palavras sobre Deus e mais vidas transformadas por Ele.
Que a história de Natalie Saracco nos leve a desejar ir além de simplesmente conhecer Deus, e nos conduza a um verdadeiro encontro pessoal com Ele, onde a fé toca o Seu Coração e o Seu Amor inflama a nossa própria fé.
[1] Citação da Revista Arautos do Evangelho, Edição 263, Novembro 2023 (pág 17)




