Reino de Deus: A Teologia por Detrás de Cristo Rei

Reino de Deus: A Teologia por Detrás de Cristo Rei

Reino de Deus: A Teologia por Detrás de Cristo Rei

Antes de aprofundarmos a reflexão sobre o Reino de Deus, importa contextualizar que o decurso da vida de Jesus, os mistérios da Encarnação (Concepção e Nascimento) e da sua Páscoa (Paixão, Crucifixão, Morte, Sepultamento, Descida aos Infernos, Ressurreição, Ascensão) marcam de maneira expressiva a vida de Cristo e iluminam toda a sua existência terrestre. Tudo o que Jesus fez e propôs, desde o princípio até ao dia em que subiu aos Céus, deve ser visto à luz dos mistérios do Natal e da Páscoa.

Ao entrarmos nas Escrituras, analisando as palavras e actos, a maneira de ser e de se comportar de Jesus, podemos constatar que Cristo é a revelação do Pai. «Quem me viu, viu o Pai» (Jo 14,9). E o próprio Pai testemunha tal mistério: «Da nuvem veio, então, uma voz, que disse: «Este é o meu Filho, o eleito: escutai-o!»» (Lc 9,35). A sua missão é cumprir com submissão e amor a vontade do Pai, não vivendo para Si, mas por nós e pela nossa salvação, até à sua morte pelos nossos pecados.

Jesus advoga as nossas causas junto do Pai, sendo o nosso intercessor, e estará para sempre presente diante da face de Deus, em nosso favor. Sendo o nosso modelo, o «homem perfeito», Jesus convida-nos a ser discípulos e a segui-lO, anunciando desde o início da sua vida pública a necessidade de conversão, pois o seu Reino seria implantado e já estava próximo: ««Convertei-vos, pois está próximo o reino dos céus» (Mt 4,17). Os seus ensinamentos, através de palavras e parábolas, anunciam a instalação de uma nova realidade. Para se cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugura o Reino dos Céus na Terra, com o desígnio de elevar todos os homens à participação da vida divina.

A sua realeza manifestou-se de forma a confundir os líderes religiosos e políticos do seu tempo, uma vez que o seu Reino não implicava a ocupação de um espaço físico, nem tão pouco a estruturação de um novo sistema político ou militar. A sua glória e a sua realeza encontram-se numa nova ordem espiritual, sobretudo pelo grande mistério da sua Páscoa — a sua morte na Cruz e Ressurreição: «... E Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim» (Jo 12,32).

O Anúncio do Reino de Deus

Jesus anunciou primeiro o seu Reino aos filhos de Israel, mas todos os homens são chamados a participar no seu reino, desde que a sua Palavra seja acolhida.

Jesus, enviado pelo Pai, revela que o Reino de Deus pertence aos pobres e aos mais pequenos, os que acolhem os seus ensinamentos com um coração simples e humilde. Ele veio evangelizar os pobres, declarando que os pobres em espírito são bem-aventurados (cf. Mt 5,3) e que o Reino de Deus e os seus mistérios só podem ser compreendidos pelos pequeninos, tornando-se escondidos para os sábios e entendidos. Jesus instaura um modelo de vida pobre e despojada, desde a manjedoura até à cruz, fugindo às riquezas, aos poderes e às ganâncias deste mundo. Por opção, assume a fome, a sede e a vulnerabilidade, além de se identificar com os pobres, condicionando a sua própria salvação à prática da caridade: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir a quem está nu e visitar os que estão presos.

Deu-nos o exemplo ao convidar os pecadores à mesa do Reino: «... Ao ouvir isto, Jesus disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que têm alguma espécie de mal. Não vim chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2,17). Revela o rosto misericordioso do Pai, que ama sem limites, que perdoa e se alegra com cada pecador que sinceramente se arrepende.

Através de diversas parábolas, Ele revela traços importantes desse amor. Uma das mais significativas é a parábola do filho pródigo, onde o pai se alegra ao ver o filho que se perdera regressar arrependido. O pai corre ao seu encontro, abraça-o, cobre-o de beijos, dá-lhe novas vestes, coloca-lhe um anel no dedo e prepara um grande banquete. As parábolas foram um meio eficaz que Jesus encontrou para revelar os mistérios do Reino de Deus, destacando a necessidade de escuta atenta e de abertura do coração — como uma terra boa onde a semente possa germinar, crescer e dar fruto.

Os Sinais do Reino de Deus

A teologia por detrás da festa de Cristo Rei revela uma contradição em relação à figura tradicional de um rei. Como pode haver realeza num Rei coroado de espinhos, cujo trono é uma cruz e cujo ceptro é um prego? Jesus redefine o que significa reinar.

Não impôs o seu Reino à força, mas a todos atraiu pelo amor. O seu poder e domínio manifestam-se no reconhecimento do seu senhorio espiritual, atestando que Jesus é o Messias anunciado, pois todos os sinais que realizou testemunham que o Pai o enviou.

Sem se impor, Jesus permitiu que alguns se escandalizassem com Ele, que o procurassem apenas por curiosidade ou por causa dos seus milagres, e até que o rejeitassem e o acusassem de agir através dos demónios.

O seu reinado é eterno, universal e espiritual — «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui» (Jo 18,36). — tal reino não segue a lógica humana. O Rei não se inclinou à vontade dos homens, mas foi obediente até à consumação final do projecto do Pai, que consiste em libertar todos os que crêem dos males da fome, da injustiça, da doença, da morte, do pecado e do domínio de Satanás.

O advento do Reino de Deus marca a derrota do reino de Satanás. Jesus, ainda durante a sua vida pública, exorcizava as pessoas oprimidas por demónios, antecipando a grande vitória final sobre o príncipe deste mundo. Anunciava a sua realeza com a expressão: Regnavit a ligno Deus — Deus reinou do alto do madeiro.

As Chaves do Reino

No início da sua vida pública, foram escolhidos doze homens para o seguirem. Dando-lhes autoridade, enviou-os em missão para anunciar o Reino e curar em seu nome. De entre os escolhidos, Pedro ocupou o primeiro lugar, com uma missão específica e única: «...Também Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela...» (Mt 16,18).

Esta missão instala Pedro como pedra viva, com a responsabilidade de garantir a fé e exercer o governo da Casa de Deus, a Igreja: «…Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16,19). Jesus dá a Pedro a chave do Reino, pedindo-lhe que apascente as suas ovelhas.

As Dimensões do Reino de Deus

Reino Escatológico

O Reino de Deus é uma realidade futura, cuja plenitude se manifestará no fim dos tempos. Como professamos no Credo: «... o Seu Reino não terá fim». Vivemos com esperança, aguardando o Maranatha«Vem, Senhor!» — acreditando que o Senhor está a chegar. O seu triunfo final acontecerá quando todo o joelho se dobrar diante d’Elle (cf. Fl 2,10). Esta dimensão escatológica é um convite à vigilância, à constância na fé e à vivência prática do Evangelho.

Reino Presente

Embora seja uma realidade futura, o Reino já está presente entre nós. Como o próprio Jesus afirmou: «O reino de Deus não vem de forma visível, nem poderão dizer: “Ei-lo aqui” ou “Ei-lo ali”, pois o reino de Deus está entre vós» (Lc 17, 20-21). Onde quer que se viva o amor de Deus, onde a justiça prevaleça sobre a opressão, onde os pobres e os frágeis sejam acolhidos e amados, aí o Reino já está a acontecer. A Igreja, enquanto Corpo Místico de Cristo, é sinal e instrumento concreto deste Reino no mundo.

Reino Interior

O Reino de Deus é uma realidade interior, que acontece no coração de cada homem que aceita Cristo e lhe permite reinar. Jesus está à porta e bate, sondando os corações para derramar o seu amor. O seu reinado íntimo exige renúncia ao pecado e abertura à graça. Santo Agostinho, depois de tardar em entregar-se a Deus, disse: «Tarde te amei», e ainda: «Teme a Deus e Ele reinará em ti. Quando Ele reinar em ti, não terás outro rei senão Ele».

Cristo Rei e o Compromisso Social

Celebrar Cristo Rei transcende uma mera profissão de fé teórica, implicando o assumir de um compromisso concreto com os valores do Reino: justiça, paz, solidariedade e amor ao próximo.

Perante uma realidade polarizada, desigual e dividida, proclamar Cristo Rei é afirmar que nenhum governo humano é absoluto. Todos — desde os reis ao mais humilde dos homens — estão sujeitos àquele que tem a última palavra, cujo nome é Misericórdia. Ele é a Verdade é o Deus da Vida.

quinta, 8 de maio de 2025