As Cinco Chagas do Senhor: Portas Abertas para o Coração de Cristo

As Cinco Chagas do Senhor: Portas Abertas para o Coração de Cristo

As Cinco Chagas do Senhor: Portas Abertas para o Coração de Cristo

Celebramos a Festa das Cinco Chagas de Cristo, uma devoção que permeia a história há séculos e está profundamente enraizada na espiritualidade católica, especialmente na cultura de Portugal. Luís de Camões, na obra Os Lusíadas, relata a presença das chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo no escudo português: "Vede-o no vosso escudo que presente/Vos amostra a vitória já passada/ Na qual vos deu por armas e deixou/ As que Ele per Si na Cruz tomou". 

Esta crença relembra as feridas sagradas que Cristo sofreu na cruz — nas Suas mãos, pés e no Seu lado aberto — como expressão do Seu amor redentor pela humanidade.

Origem e Significado

A devoção às Cinco Chagas remonta à Idade Média, ganhando especial importância em Portugal durante o período da formação da nacionalidade. D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, era um fervoroso devoto das Cinco Chagas e tê-las-ia tomado como símbolo da sua luta pela independência do país. Ele viu e ouviu Jesus Crucificado e acreditava que venceria a batalha de Ourique a fim de fundar o Reino português, levando o nome de Cristo a terras distantes e a povos estrangeiros. Com o passar do tempo, essa crença foi-se expandindo e estabelecendo na piedade popular e na liturgia.

Além do sentido histórico, é necessário entender o sentido espiritual das Cinco Chagas de Jesus, que representam não apenas o Seu sofrimento, mas também a Sua misericórdia e a redenção oferecida à humanidade. As chagas de Jesus impelem-nos a compreender que Jesus ressuscitado é o crucificado, que morreu para nossa salvação, e que pelas Suas chagas abertas somos curados e libertos

No rito eucarístico, depois da comunhão, os fiéis devotos são convidados a rezar uma bela oração chamada "Alma de Cristo", onde se invoca a Jesus a redenção:

"Dentro das vossas chagas, escondei-me. Não permitais que me separe de Vós. Do espírito maligno, defendei-me. Na hora da minha morte, chamai-me e mandai-me ir para Vós, para que com os vossos Santos Vos louve, por todos os séculos".

A pregação de São Bernardo e de São Francisco de Assis contribuiu de forma substancial para que esta devoção se difundisse entre o povo cristão.

São Bernardo escreveu sobre as feridas do Senhor: "Por estas fendas é-me permitido sugar o mel da pedra, o óleo do rochedo duríssimo, quero dizer, provar e ver quão suave é o Senhor". Nestas feridas, reconhecemos o Amor infinito de Deus. Do Seu coração ferido brota o dom do Espírito Santo (cf. Jo 7, 36-39). As feridas do Senhor são um refúgio seguro, cuja profundidade pode abrir um novo Mediterrâneo na nossa vida interior.

A Celebração em Portugal

A festa das Cinco Chagas de Jesus é celebrada liturgicamente em algumas dioceses portuguesas, especialmente onde há maior tradição desta devoção. As celebrações incluem Missas solenes, procissões e momentos devocionais de oração, nos quais os fiéis meditam sobre o mistério da Paixão e da Crucificação.

Em algumas localidades, a festividade das Cinco Chagas está associada a práticas populares, como bênçãos especiais e promessas feitas a Jesus Crucificado. A devoção também está presente na espiritualidade de várias confrarias e ordens religiosas em Portugal, que incentivam a meditação sobre a Paixão de Cristo.

Uma Devoção que Perdura

Nos dias de hoje, a devoção às Cinco Chagas continua viva, especialmente entre os fiéis que cultivam uma espiritualidade centrada na Paixão de Cristo. As orações dedicadas a esta devoção, como a Ladainha das Cinco Chagas, são formas de expressar a fé e de pedir a intercessão do Senhor nos sofrimentos da vida.

A Festa das Cinco Chagas de Jesus é, assim, uma oportunidade para os católicos aprofundarem a sua relação com Deus, renovando a fé no mistério da Cruz e na vitória da Ressurreição. Em Portugal, esta tradição permanece um sinal da riqueza espiritual do povo e do seu vínculo com Cristo Crucificado.

Portas abertas para o Coração de Cristo

As Cinco Chagas de Jesus não são meras marcas do Seu sofrimento, mas sim portas escancaradas ao Seu Coração misericordioso. Cada gota preciosa de sangue, cada chaga de amor, convida-nos a mergulhar mais profundamente no mistério da salvação, confiando que Cristo transformará as nossas dores em mananciais de graça.

Quando nos sentimos fracos, desanimados ou feridos, podemos olhar para essas chagas e encontrar nelas a prova de que nunca estamos sozinhos. Cristo convida-nos a tocar nas Suas feridas, tal como Tomé, e a encontrar nelas a certeza da ressurreição e da vida eterna.

“Pelas Suas chagas fomos curados” (Cf. Is 53,5).

As Chagas como Caminho para a Misericórdia

A tradição católica ensina que as Cinco Chagas de Cristo são fontes de graça e misericórdia. Elas representam o convite do Senhor para que os fiéis se aproximem d'Ele com confiança, especialmente nos momentos de dor e provação. Assim como o lado aberto de Cristo permitiu a entrada de São Tomé, também nós somos chamados a tocar nas feridas do Senhor com fé e esperança.

As Chagas abertas simbolizam o acesso directo ao amor infinito de Deus. Através delas, compreendemos que não há sofrimento humano que Cristo não tenha assumido, e que n'Ele encontramos o verdadeiro refúgio e consolo. São, portanto, sinais vivos da Sua presença amorosa e do caminho para a nossa redenção.

A Devoção às Chagas e a Porta do Coração de Cristo

Muitos santos e místicos da Igreja tiveram uma devoção especial às Chagas de Cristo, vendo nelas a expressão mais profunda da misericórdia divina.

Na segunda metade do século XVII, difundiu-se na Europa o jansenismo, que atacava o valor universal da Redenção de Cristo. Em resposta, Jesus apareceu à mística francesa Santa Margarida Maria Alacoque, pedindo-lhe que difundisse a devoção ao Seu Coração. Esta devoção recentrou a atenção no Corpo de Cristo, especificamente no coração, sede dos afectos. Após muitas lutas, a Igreja instituiu a festa do Sagrado Coração.

São Francisco de Assis e São Padre Pio receberam no próprio corpo os estigmas do Senhor, configurando-se ao sofrimento de Cristo e revelando aos homens do seu tempo que o Calvário continua a ser o único caminho misterioso para alcançar a salvação plena.

À semelhança dos santos e místicos, somos chamados a rezar pelas Chagas de Jesus, meditar sobre o Seu sofrimento e oferecer as nossas próprias dores em união com Ele. Estas são formas de crescer espiritualmente e de abrir o nosso coração ao Seu amor.

A Ladainha das Santas Chagas, a Via-Sacra e a veneração do Sagrado Coração de Jesus são práticas devocionais que nos recordam que Cristo mantém as Suas chagas glorificadas como sinais eternos do Seu amor redentor.

As Chagas e a Transformação do Coração Humano

Quando nos deixamos tocar pelas Chagas de Cristo, permitimos que o Seu amor cure as nossas próprias feridas. Cada sofrimento, dor e tribulação podem ser entregues a Ele, transformando-se em fonte de graça e fortalecimento espiritual. As Chagas de Jesus são, assim, pontes que nos ligam ao Seu sagrado Coração, onde encontramos paz, vida nova e esperança.

"Entrai dentro das chagas de Cristo", sugeria São João de Ávila: "Ele diz que lá mora a sua pomba, que é a alma que O busca na sua simplicidade" (São João de Ávila, Epistolário, carta 47. Cfr. Cant. 2,16). 

Aprofundemos, portanto, esta devoção, entremos nestas feridas de amor, abrindo o nosso coração ao Cristo chagado e ressuscitado, confiando que as Suas feridas são portas sempre abertas para a nossa salvação e santificação. Que possamos entrar por essas portas com fé e esperança, certos de que no Seu Coração está o nosso refúgio e fortaleza.

Que esta celebração nos inspire a viver com mais amor, gratidão e esperança, confiando sempre na misericórdia divina revelada nas santas chagas de Jesus.

quinta, 6 de fevereiro de 2025