Redescobrindo o valor do silêncio na Quaresma

Redescobrindo o valor do silêncio na Quaresma

Redescobrindo o valor do silêncio na Quaresma

Perante uma sociedade tomada pelo ruído quotidiano, pela pressa e agitação, a Igreja convida os seus fiéis a retomarem o valor do silêncio na Quaresma, dentro das práticas, da oração, da penitência e da caridade. Todos os católicos são chamados, neste período, a interiorizar o silêncio como caminho de cura, como diz Frei Patrício Scadini, OCD, «o barulho adoece e o silêncio cura».

Tal descoberta parte do desejo da alma que só se sacia quando está em Deus, «A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo» (Sl 42, 3a), pela via do relacionamento íntimo e profundo. O silêncio é um caminho espiritual importante para acalmar as agitações deste mundo e nos conectar aos poucos à contemplação da face de Deus, na escuta da Sua palavra: «Escuta, por isso, Israel, e tem cuidado em cumprir, para seres bem sucedido» (Dt 6, 3a).

O Senhor fala e exige uma escuta sincera e atenta, como no chamamento de São Pedro «… mas perante a tua palavra lançarei as redes» (Lc 5,5). A descoberta do silêncio é um tempo propício para uma escuta obediente a Deus, renovando as nossas escolhas de vida e vivências penitenciais.

O próprio Jesus ensina o valor e a importância do silêncio, pois Ele próprio se retirou para o deserto para estar em silêncio, oração e jejum antes de iniciar a sua missão (cf. Mt 4,1). Mas como viver o silêncio no dia-a-dia, na família, no trabalho? Mesmo no meio da agitação podem ser feitas algumas escolhas para viver o silêncio interior, reservar um tempo para a meditação da Palavra com a Lectio Divina, estar diante do Santíssimo Sacramento em adoração, na meditação do rosário, procurando a contemplação da criação de Deus na natureza.

Os doze graus do silêncio

A mística carmelita descalça Maria Amanda de Jesus (1839-1874) escreveu sobre os 12 graus do silêncio, que são caminhos que consistem em curar as feridas provocadas pelo ruído.

1° Falar pouco com as criaturas e muito com Deus

Este é o primeiro passo, mas indispensável, nas vias solitárias do silêncio. Nesta escola é onde se ensinam os elementos que apresentam à união divina. Aqui a alma estuda e aprofunda esta virtude. Silencia-se o mundo, as notícias, silêncio com as almas mais justas: a voz de um Anjo turbou Maria.

2° Silêncio nos trabalhos, silêncio nos movimentos

Deus chama-a ao deserto, e por isso, neste segundo estado, a alma afasta tudo o que a poderia distrair; distancia-se do ruído, e foge sozinha Àquele que só é. Aí ela saboreará as primícias da união divina e o zelo do seu Deus. É o silêncio do recolhimento, ou o recolhimento do silêncio.

3° Silêncio da imaginação

Neste lugar retirado, a alma dará ao Bem Amado provas do seu amor. Apresentará a esta potência, que não poderá ser destruída, as belezas do céu, os encantos do seu Senhor, as cenas do Calvário, as perfeições do seu Deus. Então, ela permanecerá também no silêncio, e será o servo silencioso do Amor divino.

4° Silêncio da memória

Silêncio ao passado... esquecimento. Há que saturar esta faculdade com a gravação das misericórdias de Deus... É o agradecimento no silêncio, é o silêncio da acção de graças.

5° Silêncio com as criaturas

Nesse momento, a alma deve retirar-se docemente às mais íntimas profundezas deste lugar escondido, onde descansa a Majestade inacessível do Santo dos santos, e onde Jesus, seu consolador e seu Deus, se descobrirá e revelar-lhe-á os seus segredos, e provar-lhe-á a bem-aventurança futura. Então, dar-lhe-á um amargo desgosto para tudo o que não é Ele, e tudo o que é da terra deixará pouco a pouco de distraí-la.

6° Silêncio do coração

Um coração no silêncio é um coração de virgem, é uma melodia para o coração de Deus. A lâmpada consome-se sem ruído diante do Sacrário, e o incenso sobe em silêncio até ao trono do Salvador: assim é o silêncio do amor. Nos graus anteriores, o silêncio era ainda a queixa da terra; neste a alma, por sua pureza, começa a aprender a primeira nota deste cântico sagrado que é o cântico dos céus.

7° Silêncio da natureza

A flor abre-se no silêncio e o seu perfume louva em silêncio o criador: a alma interior deve fazer o mesmo. Silêncio nos jejuns, nas vigílias, nas fadigas, no frio e no calor. Silêncio na saúde, na enfermidade, na privação de todas as coisas: é o silêncio eloquente da verdadeira pobreza e da penitência; é o silêncio tão amável da morte a todo o criado e humano. É o silêncio do eu humano transformando-se no querer divino. Os estremecimentos da natureza não poderiam perturbar este silêncio, porque estão acima da natureza.

8° Silêncio do espírito

Silêncio aos julgamentos subtis que debilitam a vontade e dissecam o amor. Silêncio na intenção: pureza, simplicidade; silêncio às buscas pessoais; na meditação, silêncio à curiosidade; na oração, silêncio às próprias operações, que não fazem mais que entravar a obra de Deus. Silêncio ao orgulho que se busca em tudo, sempre e em todas as partes; que quer o belo, o bem, o sublime.

9° Silêncio do julgamento

É o silêncio da bem-aventurada e santa infância, é o silêncio dos perfeitos, o silêncio dos anjos e dos arcanjos, quando seguem as ordens de Deus. É o silêncio do Verbo encarnado!

10° Silêncio da vontade

O silêncio aos mandamentos, o silêncio às santas leis da regra, não é, por assim dizer, mais que o silêncio exterior da própria vontade. O Senhor tem algo que nos ensina de mais profundo e de mais difícil: o silêncio do escravo sob os golpes do seu amor. Mas, feliz escravo, pois o Amor é Deus! Este silêncio é o da vítima sobre o altar, é o silêncio do cordeiro que é despojado da sua pele, é o silêncio nas angústias do coração, nas dores da alma; o silêncio de uma alma que se viu favorecida por seu Deus, e que, sentindo-se rechaçada por Ele, não pronuncia nem sequer estas palavras: Porquê? Até quando? É o silêncio no abandono, o silêncio sob a severidade do olhar de Deus, sob o peso da sua mão divina; o silêncio sem outra reclamação que a do amor. É o silêncio da crucificação, é mais que o silêncio dos mártires, é o silêncio da agonia de Jesus Cristo.

11° Silêncio consigo mesmo

Não falar-se interiormente, não ouvir-se, não reclamar-se nem consolar-se. Numa palavra, calar-se consigo mesmo, esquecer-se de si mesmo, deixar-se só, completamente só com Deus; fugir, separar-se de si mesmo. Este é o silêncio mais difícil e, no entanto, é essencial para unir-se a Deus tão perfeitamente como o faz uma pobre criatura que, com a graça, chega com frequência até aqui, mas se detém neste grau, porque não o compreende e o pratica menos ainda. É o silêncio do nada. Mais heróico que o silêncio da morte.

12° Silêncio com Deus

No início, Deus dizia à alma: «Fala pouco às criaturas e muito comigo». Aqui diz-lhe: «Não me fales mais». O silêncio com Deus é aderir-se a Deus, apresentar-se e expor-se diante de Deus, oferecer-se a Ele, aniquilar-se diante dEle, adorá-lo, amá-lo, escutá-lo, ouvi-lo, descansar nEle. É o silêncio da eternidade, é a união da alma com Deus.

Ao meditarmos Os doze graus do silêncio, esta obra espiritual ajuda-nos a explorar o valor e o caminho para alcançarmos novamente o silêncio na vida cristã. É mais do que urgente redescobrir o valor do silêncio, como meio para alcançar uma união mais íntima com Deus. Subindo de grau em grau, vamo-nos purificando, aperfeiçoando, e conduzindo a nossa alma para o estado que ela anseia da contemplação e da intimidade com o seu Criador.

Nesta Quaresma aproveite para fazer uma reflexão de vida, procurando ambientes sagrados, que auxiliem a sua vida de oração, retirando o corpo do barulho deste mundo, elevando a alma para saciar-se num encontro pessoal com Deus, para que a Quaresma tenha eficácia no seu objectivo de um arrependimento para uma conversão de vida.

 

Fonte: livro Os doze graus do silêncio, Editora Cultor de livros
 

quinta, 6 de março de 2025