Acolhimento e Hospitalidade
O primeiro acolhimento
A experiência do acolhimento marca indelevelmente o nosso viver humano e social, sendo traço estrutural e essencial do nosso ser. Para evidenciar esta afirmação recorro ao mistério do nascimento de um ser humano, algo tão surpreendente quanto natural e expectável, pelo que não pode deixar de nos espantar, pelo que representa da nossa prontidão para acolher uma presença estranha, diferente; diria, excepcionalmente diferente de tudo o que representa o ‘diferente’ habitual das nossas percepções de vida. Algo que invade de tal modo a vida daqueles que recebem esta ‘novidade’ que a reconfiguram totalmente.
A experiência da paternidade e maternidade biológica expressam a mudança de vida exigida e requerida àqueles que assim acolhem um ser humano que vem a este mundo. Sendo naturalmente acolhidos pelos nossos pais, – especialmente pela nossa mãe – bem sabemos como este gesto marca indelevelmente a nossa estrutura humana, psíquica e espiritual. Para além das muitas e diversificadas considerações sobre a influência deste ‘gesto’ na nossa personalidade e carácter, não esquecemos que, independentemente do modo como foi realizado preparado e/ou realizado, permitiu que o nosso ser chegasse à existência, e assim, pudéssemos pensar nele, como aqui o procuramos fazer.
Fomos primeiramente acolhidos por alguém, não só para saltarmos a barreira da não existência, mas também e sobretudo, para chegarmos a ser quem somos, pessoas chamadas à liberdade e à verdade. E sempre procuramos quem nos acolha na integridade do nosso ser. Na medida em que isto acontece, também nós seremos promotores de um acolhimento distinto, a quem vamos encontrando nas sendas do caminhar humano.
Uma secreta ambição: ser acolhidos
Indicam-nos os conhecimentos modernos alcançados pelas ciências psicológicas que a medida com que fomos acolhidos será a medida com que acolhemos. Sabemos ainda mais, pelo convívio social que tanto nos configura como seres declaradamente sociais. Sabemos sobretudo isto, neste tempo de confinamento social, em que nos faltou e falta ‘acolhimento’, não somente para voltarmos a estar juntos, mas ainda melhor reunidos - para nos sentirmos acolhidos. Precisamos não somente de conviver, mas ainda mais de nos sentirmos acolhidos por alguém.
No fundo, quando estamos juntos procuramos ser acolhidos tal como somos – a nossa história, a nossa presente situação, os nossos projetos e ambições. Esta secreta ambição vale sempre, ainda que nem sempre tenhamos esta consciência esclarecida e viva.
Perante o vírus do medo que nos chegou com o alarme público dos meios de comunicação social - relativo ao Covid19 - notamos a reação que nos pode tomar quando um ‘outro’ se torna o nosso potencial ‘inimigo’, o transmissor do mal, que vem anunciar a doença e a morte. Por vezes, alguém tão próximo, um familiar, aquela pessoa com quem convivíamos há muito. Assim nos tornamos mais ‘desconfiados’ em relação ao acolhimento do ‘outro’.
O Santuário… Espaço de acolhimento
Num Santuário que tem como símbolo maior o coração de Cristo - que nos acolhe de um modo único, inteiro e sumamente próximo - o acolhimento será a marca que esperam encontrar todos aqueles que nos visitam, seja qual for o motivo que aqui os traz.
Acolher quem nos chega - e assim gratuitamente exalar o perfume daquele acolhimento que Deus sempre nos faz no seu Filho Jesus Cristo, a todo aquele que de coração sincero se procura a si mesmo, procurando o seu Criador - é o desafio que nos está colocado, sobretudo neste período pós-confinamento.
Passaremos então de uma lógica de serviços prestados, a uma cultura de encontro, que faz da dinâmica humana do acolhimento integralmente evangélico a sua razão e alegria de servir.
P. Carlos Filipe, Reitor