800 anos de São Tomás de Aquino, mestre da fé e da razão
São Tomás de Aquino é, sem dúvida, uma das figuras mais influentes e respeitadas na história da teologia e filosofia cristã. Nascido em 1225, no castelo de Roccasecca, na região de Aquino, Itália, comemoram-se os 800 anos do seu nascimento neste ano de 2025. A sua memória é celebrada no dia 28 de janeiro.
Chamado como “Doctor communis”, Bento XVI afirmou: "O meu venerado Predecessor, Papa João Paulo II, na sua Encíclica Fides et Ratio recordava que São Tomás 'foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo do modo recto de fazer teologia' (n.º43)". Esta citação sublinha a importância contínua de São Tomás como referência intelectual e espiritual.
Não é de estranhar que, depois de Santo Agostinho, entre os escritores eclesiásticos mencionados no Catecismo da Igreja Católica, São Tomás seja citado mais do que todos os outros, por sessenta e uma vezes! Ele foi denominado também o “Doctor Angelicus”, talvez pelas suas virtudes, de modo particular pela sublimidade do pensamento, pureza da vida e pela clareza como articulou a relação entre fé e a razão.
A sua vida e obra não só transformaram o pensamento medieval, como também estabeleceram fundamentos que continuam a inspirar e a guiar o pensamento teológico e filosófico até aos dias de hoje.
A origem e Formação
São Tomás de Aquino nasceu numa família de elevada posição social. Desde jovem, foi influenciado pela Abadia de Montecassino, onde começou a sua formação espiritual e intelectual. Mais tarde, foi enviado para Nápoles, um centro intelectual dinâmico da época, onde frequentou a universidade fundada por Frederico II. Foi aqui que entrou em contacto com a filosofia de Aristóteles, cujas ideias o marcaram profundamente, moldando a sua trajetória académica e espiritual.
Apesar da oposição familiar, São Tomás decidiu juntar-se à Ordem dos Pregadores, os Dominicanos. Com determinação, seguiu a sua vocação, iniciando um notável percurso de serviço à Igreja e à humanidade.
Um Encontro Transformador com Aristóteles
A introdução ao pensamento de Aristóteles teve um impacto significativo no século XIII, com São Tomás a desempenhar um papel crucial neste contexto. As obras de Aristóteles, trazidas ao Ocidente por comentadores árabes, eram objecto de intenso debate. Sob a orientação de São Alberto Magno, Tomás estudou Aristóteles, reinterpretando-o à luz da Revelação cristã. A sua síntese entre a Filosofia aristotélica e a Teologia cristã constitui um dos maiores contributos intelectuais da história.
Entre os seus muitos escritos, a Summa Theologiae destaca-se como testemunho desta harmonização, estruturada de forma metódica e acessível. A obra apresenta respostas claras e profundas a questões fundamentais da fé, oferecendo um modelo de como integrar a fé e a razão em perfeita harmonia.
Fé e Razão
São Tomás de Aquino desempenhou um trabalho de importância fundamental para a história da filosofia, da teologia e da cultura. Mostrou que entre a fé cristã e a razão subsiste uma harmonia natural. Naquele momento de desencontro entre duas culturas, em que parecia que a fé devia render-se perante a razão, ele demonstrou que fé e razão caminham juntas. Demonstrou ainda que quanto parecia ser a razão não compatível com a fé, não era razão; e aquilo que parecia ser fé, não o era, enquanto se opunha à verdadeira racionalidade. Assim, Tomás criou uma síntese, que veio a formar a cultura dos séculos seguintes, e esta foi a sua grande obra.
São Tomás faz-nos compreender que a graça divina não anula, mas supõe e aperfeiçoa a natureza humana, estabeleceu a doutrina da analogia, com base em argumentos puramente filosóficos. Tomás de Aquino explicou ainda que, com a Revelação, Deus mesmo nos falou e, por isso, autorizou-nos a falar d’Ele, escreveu comentários sobre a Sagrada Escritura, sobre os escritos de Aristóteles, tratados e discursos sobre vários argumentos e obras sistemáticas inigualáveis, entre as quais se destaca a Summa Theologiae.
A interpretação de Aristóteles formulada por São Tomás não era aceite por todos, mas até os seus adversários no campo académico admitiam que a sua doutrina era superior às outras pela sua utilidade e valor.
Uma Vida de Serviço Académico e Espiritual
A dedicação de São Tomás ao ensino e à investigação foi acompanhada por uma profunda espiritualidade. Como professor, atraía estudantes de toda a Europa, que se admiravam com a sua clareza de pensamento e com a sua capacidade de comunicar verdades complexas de forma compreensível. Muitos relatos referem que as suas aulas enchiam as salas, e ouvi-lo era considerado um privilégio.
Além disso, São Tomás não limitou a sua actuação ao meio académico. Dedicou-se também à pregação e à composição de textos litúrgicos, destacando-se especialmente pela elaboração dos hinos para a festa do Corpo de Deus. A sua profunda devoção à Eucaristia é evidente nestes textos, que continuam a ser entoados pela Igreja, como o hino Tantum Ergo Sacramentum.
Os Últimos Dias e o Legado de Humildade
Os últimos meses da vida terrena de Tomás permanecem circundados por uma atmosfera particular, diria misteriosa. Em Dezembro de 1273, ele chamou o seu amigo e secretário Reginaldo para lhe comunicar a decisão de interromper todos os trabalhos porque, durante a celebração da Missa, tinha compreendido, a seguir a uma revelação sobrenatural, que tudo aquilo que tinha escrito até então era apenas "um monte de palha". É um episódio misterioso, que nos ajuda a compreender não só a humildade pessoal, mas também o facto de que tudo o que conseguimos pensar e dizer sobre a fé, por mais elevado e puro que seja, é infinitamente ultrapassado pela grandeza e pela beleza de Deus, que nos será revelada plenamente no Paraíso.
Alguns meses depois, cada vez mais absorvido numa meditação reflexiva, enquanto viajava para Lião, aonde iria participar no Concílio Ecuménico proclamado pelo Papa Gregório X, veio a morrer na Abadia cisterciense de Fossanova, depois de ter recebido o Viático com sentimentos de grande piedade.
A vida e o ensinamento de São Tomás de Aquino poder-se-iam resumir num episódio transmitido pelos antigos biógrafos. Enquanto o Santo, como fazia habitualmente, estava em oração diante do Crucifixo, de manhã cedo na Capela de São Nicolau, em Nápoles, Domingos de Caserta, o sacristão da igreja, ouviu um diálogo. São Tomás perguntava, preocupado, se aquilo que tinha escrito sobre os mistérios da fé cristã era correcto. E o Crucificado respondeu-lhe: "Tu falaste bem de mim, Tomás. Qual será a tua recompensa?", a resposta de Tomás é aquela que também nós, amigos e discípulos de Jesus, sempre gostaríamos de lhe dizer: "Nada mais do que Tu, Senhor!" (Ibid., pág. 320).
O Legado
A influência de São Tomás de Aquino transcende os séculos. Não só moldou a Teologia e a Filosofia medievais, como também lançou as bases para o desenvolvimento de uma visão do mundo que reconhece a complementaridade entre a fé e a razão. O seu pensamento foi oficializado como referência pela Igreja Católica, e ele permanece como um guia para estudiosos, teólogos e todos os que procuram compreender a verdade divina.
As suas palavras, ditas ao Crucificado – "Nada mais do que Tu, Senhor!" – encapsulam não só a sua devoção, mas também a sua filosofia de vida: uma busca incessante pelo que é eterno e verdadeiro.
Que o exemplo de São Tomás nos inspire a viver com sabedoria, humildade e dedicação, procurando sempre integrar a fé na razão na nossa caminhada.