O Santuário de Cristo Rei… Ponto de encontro com a Beleza

O Santuário de Cristo Rei… Ponto de encontro com a Beleza

O Santuário de Cristo Rei…
Ponto de encontro com a Beleza
 

Irmã Sandra Bartolomeu*  

 

«Para viver [o homem] não necessita de ciência nem de pão, mas só a beleza lhe é indispensável, pois sem beleza, já não haveria nada a fazer neste mundo!»1


A atração pela beleza e a sua indispensabilidade à vida acusam o que de mais humano há em nós, isto é, uma abertura que é capacidade de transcendência e de relação com tudo e com todos. A beleza humaniza-nos porque conduz-nos a esta relação que nos faz pessoas. Ela desperta e convoca os nossos sentidos, e com eles o nosso espanto, o nosso intelecto e o nosso desejo de participar de uma outra condição que, contando com o corpo e os sentidos, supera largamente os sentidos. Subtilmente ou por arrasto, a beleza leva-nos a um êxtase, isto é, a um “para lá” do individualismo, do utilitarismo e do imediatismo das coisas e do tempo, cunhados pela lógica de sobrevivência do homem temporal.

Na experiência da beleza, embora marcada pelo homem temporal, há uma gratuidade e bondade que transfigura e redime os limites do homem e do próprio cosmos. Deste modo, a beleza introduz-nos à eternidade; faz-nos contemplar o Mistério do Ser, que intuímos envolver toda a existência. Mais do que fome de pão e de saber, somos sedentos deste sentido à qual a teologia cristã chama comunhão de amor trinitário, ou Deus.

A experiência da beleza leva-nos a vislumbrá-lo e dispõe-nos a participar dele. Toda a vocação humana realiza-se, pois, em resposta à beleza. E nada mais há a fazer neste mundo. Disso nos dão nota as múltiplas crises que atravessamos, mostrando a insustentabilidade dos paradigmas que construímos que esqueceram ou menosprezaram a beleza e, com ela, o que de fundamental a beleza nos diz sobre o homem.

Aos santuários, enquanto lugares erguidos para proporcionar o encontro da pessoa com Deus, não pode faltar a beleza, porque a beleza oferece-se como via mistagógica em ordem a este encontro. Ela permite à pessoa subtrair-se à «ditadura da utilidade»2 e exercitar a contemplação, que abre o coração ao amor que Deus é e que tudo envolve e sustenta.

No Santuário de Cristo Rei encontramos duas vias da beleza. Primeiramente, a via da Criação. Ao subir ao Monumento, a vista oferece uma paisagem na qual a arquitetura natural e humana se interligam. A amplitude deste panorama que, de certo modo, transcende a visão, incapaz de o abarcar de uma só vez, evoca o absoluto e coloca a pessoa perante a sua humilde condição criatural. O espanto diante do sublime leva a ver nesse todo a marca de Deus Trindade como seu autor. O cosmos e cada criatura - também o ser humano, sublimemente complexo - são percecionados como santuário da presença divina, despertando no íntimo de quem contempla a alegria, o louvor e o desejo de adorar a Deus, suprema Beleza em si mesmo.

Nos diversos espaços do Santuário, pela via da pintura e da escultura, é possível verificar na beleza das imagens um anúncio do Evangelho3. As obras de arte ditas cristãs não só ilustram episódios evangélicos ou a doutrina da fé, mas se inspiradas pelo espírito do próprio Evangelho, elas tornam-se transmissoras da sua mensagem mediada pelo artista que, meditando primeiramente a Palavra em seu coração, tradu-la em cores, texturas, matéria e, por vezes, em figuras.

É cumprindo esta função mediadora e mistagoga que João Sousa Araújo - autor do vasto conjunto de obras que podem ser contempladas no Santuário de Cristo Rei, - por meio da sua linguagem pictórica muito livre, proporciona ao observador uma experiência estética envolvente, introduzindo-o na contemplação do Mistério. As suas obras funcionam, assim, como rampas que nos lançam para o abraço de Deus misericordioso espelhado na beleza dos gestos de Cristo. Elas favorecem o encontro íntimo com o Deus Belo. É desse encontro que nasce a fé. É essa beleza que nos salva.

Afinal o ser cristão nasce não da ética mas da estética, pois é da experiência de beleza experimentada no encontro com Cristo que, marcando indelevelmente o mais íntimo do coração, brota uma ordem nova e vital (uma ordem também ética), consequente com o experimentado. A isso chamamos cristianismo.

O santuário é chamado a ser esse lugar de encontro com a Beleza que cumpre a vocação humana a ser pessoa, transformando toda a vida em lugar belo.

 

*A irmã Sandra Bartolomeu é Serva de Nossa Senhora de Fátima. Licenciou- se em Pintura- Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e tem o Mestrado em Educação das Artes Visuais. Tem também a Licenciatura e Mestrado em Ciências Religiosas (Ensino de EMRC).
Já realizou alguns trabalhos no âmbito do desenho e ilustração e presentemente trabalha na Pastoral do Santuário de Fátima.

 

1 Citado por Paul Evdokimov, El arte del icono, in António Marto, “O Cristianismo, fonte de uma cultura de Beleza”, O Evangelho da Beleza, Editora Paulinas, 2010, 9.
 2 Cf. Tolentino Mendonça, Simpósio Teológico-Pastoral Fátima hoje: que sentido?, citado em “Santuário: lugar da lentidão e do inútil segundo o padre José Tolentino Mendonça” (17.06.2018), Revista IHU on-line, http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/580269-santuario-o-lugar-da-lentidao-e-do-inutil-segundo-o-padre-jose-tolentino-mendonca, consultado a 13.09.2020. 
 3 Cf. Catecismo da Igreja Católica, §1160.
Terça, 22 de Setembro de 2020