Leonor Caracóis*
O Papa Francisco na sua Carta Apostólica Com coração de pai, fala de São José como pai na ternura.
Vivemos numa sociedade muito marcada pela competição, pela produtividade, a eficácia, a exigência de elevados níveis de performance e desempenho; temos que ser bons, os melhores, em tudo: nas nossas profissões, no uso da tecnologia, nas habilidades sociais… Uma sociedade onde parece não caber a fragilidade, a fraqueza, a insegurança, a dúvida, a experiência de sentir-nos vulneráveis. E essa falta de espaço para algo tão profundamente humano, contribui para a construção de uma sociedade onde os problemas de saúde mental tendem a crescer, muitos deles associados a estados de depressão e ansiedade.
É interessante que o Papa neste breve capítulo fale da ternura unida à experiência de fragilidade e fraqueza e aponta um caminho interessante a percorrer:
“devemos aprender a aceitar, com profunda ternura, a nossa fraqueza. O Maligno faz-nos olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito trá-la à luz com ternura. A ternura é a melhor forma para tocar o que há de frágil em nós.”
Durante seis anos trabalhei numa Casa de Acolhimento de Crianças e Jovens em risco; ali me encontrei com vidas ainda jovens, mas profundamente feridas, necessitadas de tudo, mas sobretudo de colo e ternura. Recordo que muitas vezes dava por mim a pensar que os pobres nos evangelizam, talvez não por ser melhores que os outros, mas porque a sua pobreza expõe de uma forma muito nítida a sua vulnerabilidade e ao expor a sua, também a nossa fica mais a descoberto. No encontro com estas vidas frágeis e tão difíceis de sarar, reconhecia-me também eu vulnerável, com a plena consciência de que os papeis podiam perfeitamente ser os inversos, não fosse a vida ter-me dado (sim… dado…) tanto.
Passaram alguns anos e mantenho amizade com algumas destas agora jovens adultas. Sei que não foram apenas as melhores condições, uma vida mais estruturada e regrada que alavancaram as suas vidas. Foi a ternura, o “aconchego”, o afeto que encontraram nalgumas pessoas que passaram a fazer parte da sua família e do seu coração.
Tenho para mim que nada disto é alheio à vivência da fé. Nela damos importância a diferentes aspetos: confiança, esperança, caridade, justiça, sacrifício, humildade, verdade e vários outros que ao longo do nosso percurso e até ao longo do ano litúrgico vamos destacando. Entre eles normalmente não incluímos a ternura; esta parece nada ter a ver com a nossa fé e com a relação que, no seu âmbito, estabelecemos com Deus, com os outros e com a Criação.
Talvez tenhamos entendido mal a ternura, considerando-a como uma “virtude menor”, ou talvez nem lhe tenhamos atribuído o rango de virtude, considerando-a apenas como uma característica que têm algumas pessoas mais sentimentalistas.
E se descobríssemos a ternura como um elemento essencial à fé? Descobrir um Deus imensamente terno, que não sabe relacionar-se com as suas criaturas senão com ternura. E descobrir que assim também posso eu relacionar-me com Ele, gerando-se uma dinâmica de fé não apenas sentimentalista, mas que sem dúvida não exclui os afetos. Inácio de Loyola alertava, já há 500 anos, para o facto de que “não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e gostar internamente as coisas”.
Ternura também na forma como nos relacionamos com os outros, meus irmãos, e também no modo como nos situamos no mundo e na grande Casa Comum. São José parece inspirar-nos uma ética da ternura e do cuidado, contrariando uma lógica instrumentalista e utilitarista tão própria dos nossos tempos. Com Ele, que cuidou da sua família, da sua casa e certamente da sua aldeia, podemos aprender a não descartar aqueles e aquilo que já não nos serve. Com ele podemos aprender o valor que cada pessoa, cada coisa, cada criatura tem em si mesma, independentemente da utilidade que para mim tenha.
Que São José, pai na ternura, nos ensine esta tão grande virtude!
* Leonor Caracóis trabalha atualmente na Reitoria do Santuário de Cristo Rei e leciona a disciplina de EMRC. É licenciada em Economia pelo ISEG, licenciada em Ciências Eclesiásticas pela Universidade de Comillas em Madrid e Mestre em Ciências Religiosas pela Universidade Católica Portuguesa.