Carmelita Descalça*
Assim como Maria recebeu o anúncio de um anjo pedindo-lhe para aceitar a concepção de Jesus no seu seio, também José teve conhecimento da sua vocação e missão através do anúncio de um anjo. De facto, o evangelista Mateus assim o descreve no primeiro capítulo (1,18-25).
José despertando do sono faz o que o anjo lhe ordena e lança-se na obediência da Palavra recebida, aceitando, como disse Paulo VI, o seu destino. Ele tem uma religiosa escuta da Palavra Divina e uma absoluta disponibilidade para servir fielmente a vontade salvífica de Deus. A bem-aventurança de Maria “Bem-aventurada aquela que acreditou”, também se pode referir em certo sentido a José, porque ele respondeu afirmativamente à Palavra de Deus. A sua foi uma “puríssima obediência da fé” (RC 4).
José tomou a partir daí a sua esposa, assumindo em tudo o mistério da sua maternidade, juntamente com o filho que dela nasceria por obra do Espírito Santo. Ele demonstrou aqui uma disponibilidade de vontade semelhante àquela de Maria (RC 3) e, assim, tornou-se juntamente com ela, o primeiro depositário do mistério divino, participando desta fase culminante da auto-revelação de Deus em Cristo. Ele é aquele que primeiramente foi colocado por Deus no caminho da peregrinação da fé, no qual Maria irá à frente de modo perfeito (RC 5). Eis porque podemos dizer que São José é o modelo dos humildes que o Cristianismo eleva a grandes destinos (Paulo VI alocução 19/3/1969).
Ao refletir na vocação deste Santo e no grande segredo da sua vida vi retratada a minha própria história, a história da minha entrega ao projeto de Deus e fiquei surpreendida porque descobri que estamos unidos pela obediência da fé. Esta obediência constitui um marco de viragem na vida de S. José e na minha.
A grande mudança da minha vida teve origem num encontro com Cristo Crucificado, o qual me abriu as portas para o mistério de Deus. Mas depois desse encontro era necessário continuar a viver em comunhão com Deus e aqui dá-se uma grande descoberta, a descoberta de algo muito simples, mas, como me foi ensinado pelo Espírito Santo, é algo cheio da graça divina, que me inundou da luz que vem do alto e da força necessária para viver em fidelidade criativa a vontade de Deus em cada um dos meus dias. Trata-se da descoberta real do movimento da fé.
A fé tem dois movimentos: o acreditar e o dar crédito. O acreditar é o primeiro, mas tem de ser seguido pelo segundo, isto é, dar espaço na minha vida para que aconteça aquilo em que eu acredito. É aqui, neste movimento, que surge a obediência da fé. E é esta obediência que converte a nossa vida em morada de Deus, porque nos abrimos a Ele e à sua acção em nós.
Entendi a “obediência da fé” como um convite de Deus a fazer da minha vida um lugar onde pudesse experimentar a força da Sua Palavra, em que pudesse ver que aquilo em que acreditava era verdade, um lugar em que experimentasse que Deus é fiel à Sua palavra. Numa palavra a entender-me como uma carta de Cristo escrita não em tábuas de pedra, mas no coração e na vida.
Aceitei o desafio e fui experimentando que ia deixando de viver para mim e para o meu projeto de vida, para passar a viver para Deus e para o seu projeto de amor para mim: “ser Cristo”, filha no Filho.
A obediência da fé abriu-me as portas para a plenitude da liberdade e a plena realização do meu ser, que é a comunhão com Deus, com a Sua Vida, o Seu Amor e a Sua Santidade. Acolher-me de Deus como Palavra dita por Ele e por isso manifestação do Verbo feito carne, é o meu projeto de vida. Pela força do Amor que vem do alto vou-me deixando transformar para chegar a dizer: “Já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”.
Tal como São José que fez da sua vida uma entrega escondida, silenciosa e total ao mistério da Encarnação que Jesus veio realizar, a nossa vida no Carmelo é de facto uma vida de entrega escondida, silenciosa e total, na escuta orante da palavra de Deus e na obediência da fé, para que, como no lar de Nazaré, vivamos na presença de Jesus, o Verbo feito homem, e aprendamos a contemplação amorosa do mistério de Deus, como serviço aos irmãos.
Hoje tenho como lema as palavras de Jesus: «Pai, por eles a mim mesmo me consagro para que eles sejam consagrados na verdade. A tua Palavra é a verdade.» E elas fazem-me entender que a obediência é, antes de tudo, uma atitude filial. É aquele tipo particular de escuta que só mesmo o filho pode prestar ao pai, por está iluminado pela certeza de que o pai só pode ter coisas boas a dizer-lhe e a dar-lhe; uma escuta embebida naquela confiança que permite ao filho acolher a vontade do pai, certo de que esta será para o bem.
Isto é imensamente mais verdadeiro em relação a Deus. Com efeito, nós atingimos a nossa plenitude somente na medida em que nos inserimos no desígnio com que Ele nos concebeu no seu amor de Pai. A obediência é, portanto, o único caminho de que dispõe a pessoa humana – ser inteligente e livre – para se realizar plenamente. Quando diz “não” a Deus compromete o projeto divino e diminui-se a si mesma, destinando-se ao fracasso.
A obediência a Deus é caminho de crescimento e, por isso mesmo, de liberdade da pessoa, uma vez que permite acolher um projeto ou uma vontade diferente da própria, o qual não diminui, senão que funda os alicerces da dignidade humana. Ao mesmo tempo, a liberdade é, em si, um caminho de obediência, pois é obedecendo como filho ao plano do Pai que o crente realiza o seu ser livre. É claro que, una tal obediência exige reconhecer-se como filho e alegrar-se por sê-lo, posto que somente um filho/ filha pode entregar-se livremente nas mãos do Pai, exatamente como o Filho Jesus se abandonou nas Suas mãos.
A pessoa de fé procura cada manhã, o contacto vivo e constante com a Palavra que naquele dia é proclamada, meditando-a e guardando-a no seu coração como um tesouro, fazendo dela a raiz de cada ação e o primeiro critério de cada opção. Ao fim do dia, confronta-se com ela, louvando a Deus por ter visto o cumprimento da Palavra eterna dentro das pequenas vicissitudes do próprio cotidiano (cf. Lc 2,27-32), e confiando à força da Palavra o que ainda permanece incompleto. De facto, a Palavra não trabalha apenas de dia, mas sempre, como ensina o Senhor na parábola da semente (cf. Mc 4,26-27).
A escuta quotidiana, amorosa, da Palavra educa para descobrir os caminhos da vida e as modalidades pelas quais Deus quer libertar os seus filhos; alimenta o instinto espiritual para as coisas que agradam a Deus; transmite o sentido e o gosto pela sua vontade; dá a paz e a alegria de permanecer na fidelidade a Ele, tornando-nos sensíveis e dispostos para todas as expressões da obediência: ao Evangelho, à fé, à verdade.
Feliz és tu, S. José, porque acreditaste e obedeceste a tudo o que te foi dito da parte do Senhor! Felizes seremos nós, se como tu, soubermos escutar a Palavra de Deus com fé e lhe respondermos com a docilidade amorosa da nossa vontade e do nosso entendimento e fizermos da nossa vida morada de Deus.
S. José, roga por nós.