O descanso que cura: Espiritualidade do recolhimento nas férias

Pessoa em oração nas férias

O descanso que cura: Espiritualidade do recolhimento nas férias

«Vinde a mim, todos os que andais fatigados e oprimidos, e eu vos darei descanso.» (Mateus 11,28)

Neste tempo de férias, aprofundamos um tema fundamental: o descanso é necessário. Após uma longa jornada de trabalho, compromissos e responsabilidades, é preciso dar tempo a nós mesmos e à família.

Na verdade, as férias são um acto de amor, um presente necessário à saúde do corpo e da mente. Por isso, é importante planear o descanso, reservar recursos e investir tempo e finanças para viajar, visitar familiares, entrar em contacto com a natureza, ir à praia ou simplesmente passear num parque, fazer um piquenique.

Contudo, o descanso físico não deve ser o único objectivo, pois há cansaços mais profundos que inquietam a alma. Estes só podem ser curados com um recolhimento íntimo na presença de Deus.

O livro do Eclesiastes afirma, no capítulo 3, que «tudo tem o seu tempo»: há tempo para trabalhar e tempo para descansar. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, na sua obra A Sociedade do Cansaço, apresenta uma crítica contundente ao mundo contemporâneo, aos excessos de produtividade e à auto-exploração que caracterizam a vida moderna.

Esta lógica gera doenças associadas ao desempenho — esgotamento, depressão, ansiedade, burnout e síndrome da fadiga crónica. Outra crítica recai sobre a era digital, com a perda do recolhimento interior e o desaparecimento do tédio criativo: vivemos distraídos, acelerados, ligados em permanência.

A ausência de descanso, de silêncio e de pausas adoece a alma e, consequentemente, manifesta-se no corpo através de doenças emocionais e cansaços que o mero entretenimento não consegue curar.

A cura interior exige uma procura íntima, contemplativa e silenciosa de Jesus Cristo, que está à nossa espera. Ir até Ele, pela via da oração, permite que a alma sedenta do Deus vivo se renove e encontre vida nova.

Este é o convite deste artigo: fazer do repouso não apenas um alívio fisiológico, mas também uma resposta espiritual.

Mais do que uma pausa: um regresso ao essencial

Num mundo que valoriza apenas a produtividade, descansar é, muitas vezes, considerado perda de tempo. Parar, fazer uma pausa, abrandar — tudo isto pode ser difícil, chegando mesmo a tornar-se frustrante, ao ponto de alguns regressarem das férias mais cansados do que estavam antes.

Não basta parar; é preciso saber parar. Compreender o sentido do descanso, o valor do recolhimento. Os santos, monges e místicos — e o próprio Jesus — mostram-nos que o verdadeiro descanso passa pela retirada: para o deserto, para lugares altos, para o silêncio.

É necessário acalmar a alma, silenciar os pensamentos, escutar Deus e ter um coração disponível ao «sim» interior e ao «não» às distracções.

Este exemplo de recolhimento mostra que precisamos libertar-nos dos ruídos exteriores para escutar a Palavra de Deus, que cura. Essa ligação entre a alma e o seu Criador — fonte de todo o amor — é o que dá sentido à vida e nos sustenta.

O silêncio que fala

A necessidade de silêncio interior é urgente, pois a ausência de escuta de si mesmo conduz à alienação. Como dizia Santo Agostinho:

«Entrei em mim mesmo, guiado por Ti, e vi com os olhos da alma…»

Este «entrar em si mesmo» é o primeiro passo para a cura interior. Não exige grandes feitos, apenas escuta atenta, sincera e silenciosa com os olhos do coração.

As férias devem ser um tempo fértil para este tipo de recolhimento: fazer um jejum digital, abrandar o ritmo, permitir que o tempo passe lentamente — à beira-mar, numa caminhada pelo campo, ouvindo os pássaros, contemplando as flores, rezando com o nascer do sol.

O silêncio não é um vazio, mas um espaço de presença. É nele que muitas vezes tomamos consciência das dores, inquietações e feridas. E é exactamente nesse lugar que Deus deseja entrar e restaurar-nos.

Recolhimento não é isolamento

É importante distinguir recolhimento de isolamento. A espiritualidade do recolhimento não nos afasta de Deus nem dos outros. Pelo contrário: une-nos mais intimamente a Deus e torna-nos mais humanos e disponíveis para os que nos rodeiam.

A oração contemplativa, o exame de consciência, a meditação da Palavra — tudo isso transforma a nossa visão do mundo. Quem volta do recolhimento regressa mais forte para a missão.

Quem aprende a estar a sós com Deus ganha paz e amor para estar com os outros. Porque só quem escutou o próprio coração pode escutar verdadeiramente o coração alheio.

Pequenas práticas, grandes frutos

Como viver o recolhimento? Não é necessário um retiro de sete dias ou uma viagem longa. Esta espiritualidade pode ser vivida de forma simples, adaptada ao ritmo de cada um. Aqui ficam algumas sugestões:

  • Jejum digital: Desligar as redes sociais durante alguns dias. Reduzir o consumo de notícias. Libertar-se dos écrans para limpar a mente e arejar a alma.
  • Redescobrir a oração pessoal: Nas férias, rezar mais e com mais profundidade. Alimentar a alma com o terço, a leitura da Palavra, uma boa orientação espiritual.
  • Visitar lugares sagrados: Participar na Missa em diferentes comunidades, visitar um santuário ou fazer turismo espiritual.
  • Escrever e agradecer: Manter um diário espiritual. Anotar descobertas, inspirações, bênçãos. A gratidão é curativa.
  • Viver a Eucaristia com mais frequência: Aproveitar o tempo livre para estar diante de Jesus Eucarístico — adorá-Lo, escutá-Lo, render-Lhe graças.

Jesus também descansou

Jesus, o Filho de Deus feito homem, também descansava. Apesar de anunciar, curar e realizar milagres, retirava-Se com frequência. Convida os discípulos:

«Vinde a sós para um lugar deserto e descansai um pouco.» (Marcos 6,31)

Até durante a tempestade, Jesus dormia, em paz:

«Levantou-se um forte vendaval. As ondas atiravam-se contra o barco… e Jesus estava na popa, a dormir sobre uma almofada.» (cf. Mc 4,37-38)

Se Ele parou, porque não nos permitimos nós parar?

O descanso faz parte da vida espiritual. Não somos máquinas nem escravos da produtividade. Somos filhos. E os filhos são chamados a estar com o Pai.

O Salmo 127 recorda-nos que é em vão trabalhar incessantemente, pois aos Seus amados Deus sustenta enquanto dormem. Esse descanso confiante é o que reconstrói e gera paz.

Uma pausa que gera vida nova

O recolhimento nas férias é também um tempo de discernimento. Um tempo para escutar, com o coração aberto, o que Deus nos chama a mudar nesta fase da nossa vida.

Talvez seja tempo de curar um relacionamento, de se reconciliar com alguém — ou consigo mesmo. Talvez Deus queira iluminar um novo passo na tua vocação, na tua missão. O exame de consciência e a confissão podem ser grandes aliados nesse caminho.

Voltar das férias renovado não depende apenas do destino escolhido, mas da profundidade da experiência vivida. Quem repousa em Deus, regressa iluminado.

«Só em Deus descansa a minha alma; d’Ele vem a minha salvação.» (Salmo 62,2)

Que este período de férias seja um reencontro consigo mesmo, com o essencial e com o Senhor da vida.

Que o seu descanso seja fecundo. E que, no silêncio, descubra o amor que cura.

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