Recentemente, deparámo-nos com uma valiosa reflexão do filósofo espanhol Jorge Freire. Numa entrevista concedida à revista Misión, o filósofo traçou um retrato perspicaz da nossa sociedade, cada vez mais imbuída de pressa, ansiedade e superficialidade.
No seu mais recente livro, “Agitação”, o autor analisa o que designa por “sociedade da imediatidade”: uma era em que tudo se exige para já, em que falta paciência para esperar e em que se negligencia a virtude do esforço.
Sem o silêncio necessário para acalmar a mente, acabamos por pagar o preço emocional de adotar um ritmo de vida insustentável e prejudicial.
O filósofo alerta para uma verdade desconfortável: se nos dedicarmos apenas ao que é útil, acabaremos por sentir um grande vazio. Esta afirmação ganha ainda mais peso quando confrontada com a ciência contemporânea e com a sábia tradição católica, que há muitos anos apontam para um sentido diferente, indicando um caminho de transcendência, descanso interior e propósito de missão.
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão ampliada sobre a entrevista, integrando dados atuais sobre a necessidade de saúde mental, a tecnologia e a cultura do imediatismo, e sugerir às pessoas um caminho que una a psicologia, a filosofia e a fé.
A cultura do “agora”: uma epidemia de ansiedade
Ao analisar a Geração Z, que é profundamente marcada pelo lema “quero tudo e quero agora” e impulsionada pela era digital, o filósofo Jorge Freire observa um padrão de comportamento específico: recorrem intensamente às plataformas digitais não só para socializar, mas também na procura incessante de uma sensação de prazer instantâneo. A ciência, ao analisar esta realidade, leva-nos ao seguinte diagnóstico:
Dados actuais sobre saúde mental:
A análise de Jorge Freire sobre a sociedade da imediatidade é corroborada por dados concretos e alarmantes sobre a saúde mental global e, em particular, sobre as gerações mais jovens:
- A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de 300 milhões de pessoas vivem atualmente com depressão, o que representa um aumento exponencial dos casos desde 2015.
- Entre os adolescentes, os números são ainda mais expressivos e preocupantes: relatórios internacionais indicam que entre 20% e 25% manifestam sinais de ansiedade ou depressão.
- Estudos recentes apontam também para o facto de o uso intensivo das redes sociais, principalmente entre o público mais jovem, estar associado a um aumento gradual de solidão, baixa autoestima e instabilidade emocional.
- Em 2024, investigadores europeus publicaram um alerta sobre a forma como a rápida velocidade dos estímulos digitais está a reconfigurar a capacidade de atenção e a resistência à sensação de tédio, tão presente nas gerações mais novas.
Neste sentido, Jorge Freire recorda-nos um pensamento importante de Pascal: “Toda a miséria do homem provém da sua incapacidade de permanecer sozinho num quarto.” Esta incapacidade é agravada pelos smartphones, sobre os quais Freire nos adverte: “perpetuam a mentira de que podemos satisfazer todos os nossos desejos instantaneamente”.
O tédio que ilumina: por que precisamos de parar?
Parar é essencial, fazer uma pausa é necessário: o ser humano precisa de respirar e descansar. Mas por que razão é que, atualmente, tantas pessoas têm dificuldade em não fazer nada? Já ouvimos crianças dizerem, quando não têm acesso à tecnologia: “Estou aborrecido”. E muitas famílias, inclusive católicas, cedem rapidamente a esta queixa, oferecendo estímulos tecnológicos para ocupar o tempo das crianças.
Mas será o tédio assim tão mau? Não será esta sensação de não saber o que fazer, na verdade, necessária para a reflexão, a imaginação, a criação ou, simplesmente, a reorganização interior?
Porque será tão difícil sentar-se numa poltrona e deixar a vida passar por um breve instante? Porque é que tantas pessoas se deitam na cama, mas não conseguem abrandar o ritmo dos pensamentos? A sensação de não produzir e de nos permitirmos relaxar e descansar revela o quanto estamos prisioneiros de fatores externos que nos impedem de nos encontrarmos interiormente.
Governar a própria vida e ser autor da própria história é uma tarefa árdua, mas absolutamente essencial. O filósofo não nos aconselha a renunciar ao prazer; pelo contrário, Freire lembra-nos da importância de cultivar a disciplina interior para orientarmos as escolhas fundamentais da nossa existência. Esta é uma virtude indispensável que, na tradição católica, se chama temperança.
Walter Benjamin afirmava que “o tédio é a fonte da lucidez”. De facto, estudos recentes na área da psicologia confirmam esta ideia:
- Estudos realizados em 2023 revelam que os momentos de tédio estimulam a criatividade e contribuem para a reorganização de processos cerebrais associados à tomada de decisões.
- Os investigadores em neurociência comprovam que as pausas, o silêncio e a reflexão ativam a Rede de Modo Predeterminado (Default Mode Network), uma região associada à identidade, à memória autobiográfica e ao sentido da vida.
- Práticas contemplativas, como a oração silenciosa e a meditação cristã, reduzem drasticamente os níveis de stress e de cortisol, acalmando a mente e o coração.
Para Jorge Freire, é evidente que a autorrealização não depende de realizar grandes feitos, mas sim de dar significado ao que se faz. A fé acrescenta que esse significado nasce da relação com Deus e com os outros.
A perda da transcendência: raízes do vazio moderno
O filósofo Jorge Freire destaca que o homem moderno está reduzido a um mero consumidor, orientado apenas pelas necessidades materiais e desconectado da sua natureza transcendente. Esta visão fragmentada da antropologia humana mostra apenas o ser humano como um ser útil, avaliado pelo seu desempenho e sucesso exteriores.
A consequência é previsível: é possível ter tudo e, ainda assim, permanecer uma sensação constante de insatisfação.
Com esta afirmação, Freire recorda-nos um princípio fundamental da Sagrada Escritura: “Não só de pão viverá o homem” (cf. Mateus 4:4). A ausência de transcendência no ser humano moderno não é apenas uma opção ingénua, mas sim uma amputação espiritual.
Ciência e transcendência
- Estudos internacionais realizados entre 2022 e 2024 revelam que as pessoas com uma vida espiritual ativa apresentam níveis mais baixos de ansiedade, maior resiliência emocional, maior capacidade para lidar com o sofrimento e as adversidades, e um sentido mais profundo de pertença à comunidade, ou seja, sentem menos solidão.
- A psicologia positiva demonstra que o sentido, o propósito e a transcendência estão entre os cinco fatores mais relevantes associados ao bem-estar e a uma qualidade de vida duradoura.
Aquilo que Jorge Freire defende filosoficamente é confirmado pela fé católica através da Revelação e da doutrina.
Sem uma missão, a vida humana perde sentido
O enfraquecimento da vida em comunidade gera, inevitavelmente, a solidão, que se manifesta como uma verdadeira doença social. Jorge Freire alerta para as “ilhas isoladas”: mesmo quando as necessidades materiais estão satisfeitas, a ausência de laços reais e de sentido de pertença conduz as pessoas a uma existência artificial.
Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu que a solidão constitui um risco para a saúde pública, comparável ao sedentarismo e ao vício do tabaco. Em vários países da Europa, que começam a enfrentar a gravidade desta problemática – especialmente após a pandemia – os índices de isolamento têm aumentado de forma substancial e preocupante.
Efeitos da solidão comprovados cientificamente:
- Risco elevado de depressão;
- Maior incidência de doenças cardiovasculares;
- Redução da esperança média de vida;
- Diminuição do desempenho cognitivo ao longo dos anos.
Jorge Freire, ao analisar os adolescentes de hoje, salienta que, apesar de estarem rodeados de conforto material, se encontram profundamente desconfortáveis emocionalmente, sobretudo quando comparados com gerações anteriores.
A fé católica oferece uma resposta essencial a estes efeitos. A vida partilhada em comunidade e a pertença à Igreja fazem de nós membros de um único corpo.
Fé, cultura e liberdade: o contributo dos católicos
Questionado sobre o que os católicos podem oferecer ao mundo, Jorge Freire responde que é o modo de fazer as coisas e, sobretudo, o perdão, a pedra angular da cultura cristã.
Num tempo em que se privilegia a indignação, o preconceito, as aparências, a exposição, o cancelamento e a publicitação dos erros, a fé cristã apresenta-se como um percurso de recomeço, misericórdia e reconciliação.
A Igreja lembra-nos sempre que:
- A dignidade humana é intocável;
- A pessoa tem valor, e o seu valor não é diminuído pelos seus erros;
- A liberdade floresce quando é orientada pela verdade;
- A vida ganha sentido quando se torna dom.
Estas verdades não são apenas ideais religiosos, mas também pilares antropológicos fundamentais que orientam a ciência, a filosofia, a psicologia e a educação, constituindo condições essenciais para a saúde mental e para a vida em sociedade.
O Maior Ato de Rebeldia: Parar para Recuperar a Vida
Freire conclui a sua reflexão com uma provocação: “O maior ato de rebeldia é parar”.
Devemos parar para refletir, para rezar mais e para desenvolver a nossa capacidade de discernimento e de fazer escolhas melhores. Paremos para não sermos arrastados por uma corrente tão forte que nos impeça de governar a nossa própria vida.
A fé católica convida-nos a encontrar o verdadeiro descanso em Deus, que renova o coração, restaura a paz interior e nos permite reencontrar o próximo e o nosso próprio chamamento.
A agitação moderna precisa de silêncio
A partir desta reflexão com Jorge Freire, conclui-se que vivemos numa sociedade acelerada, demasiado rápida para o coração humano. A ciência já identificou os possíveis danos e Cristo, através da fé e da Igreja, apresenta-se como um caminho de cura e orientação segura.
Num tempo que valoriza a eficiência e a exposição, somos mais do que nunca chamados a recuperar o sentido da espera, a beleza do silêncio, a sabedoria da renúncia, a profundidade da transcendência, a força da vida em comunidade e o bálsamo do perdão.
É assim que reencontramos o verdadeiro sentido: não algo que se compra, que se produz apressadamente ou que se obtém com um simples “clique”, mas uma realidade que se descobre na relação íntima com Deus e na comunhão com os outros.



