Viajar sempre foi uma dimensão profundamente humana. Desde os primórdios da história, o deslocar-se de um lugar a outro não significava apenas procurar recursos ou conhecer novas terras, mas também responder a inquietações interiores: desejo de encontro, necessidade de sentido, procura de transcendência. Nesse horizonte surge a peregrinação — experiência que une corpo e espírito num caminho físico e, ao mesmo tempo, simbólico. Mais do que turismo religioso, a peregrinação é um acto existencial que transforma quem a realiza. Por isso, pensar na sua próxima grande viagem como uma peregrinação pode abrir horizontes insuspeitos.
O que é uma peregrinação?
De modo simples, peregrinar é deslocar-se até um lugar considerado sagrado, guiado por uma motivação espiritual ou interior. Diferentemente de uma viagem comum, em que o objectivo é conhecer paisagens, descansar ou acumular experiências culturais, a peregrinação tem um sentido mais profundo: é um movimento do coração, traduzido em passos. Não se trata apenas de «ir até um lugar», mas de permitir-se ser transformado pelo caminho e pela meta.
A peregrinação, portanto, é tanto exterior como interior. Exterior, porque envolve caminhar, viajar, enfrentar estradas, distâncias e desafios. Interior, porque supõe um trabalho espiritual: reflectir sobre a vida, rever valores, procurar reconciliação, agradecer, pedir, contemplar. Muitos peregrinos relatam que, ao chegar ao destino, percebem que a maior transformação já acontecera durante o percurso.
O termo «peregrino» e o seu significado
A palavra «peregrino» vem do latim peregrinus, derivada de per ager (literalmente, «através do campo» ou «além da terra»). Inicialmente designava o estrangeiro, aquele que estava fora da sua terra natal, vivendo entre outros povos. Com o tempo, o termo ganhou conotação religiosa: o peregrino é aquele que se desloca rumo a um lugar sagrado, aceitando a condição de estrangeiro — não apenas geográfica, mas existencial.
Na tradição cristã, este sentido adquire uma riqueza maior: o ser humano é, por natureza, peregrino nesta vida. A terra não é o destino, mas o caminho em direcção a Deus. Assim, a condição do cristão é a de quem está a caminho, e as peregrinações concretas simbolizam essa jornada espiritual.
Chamado viator (viajante) nos textos medievais, o peregrino carrega em si a humildade de reconhecer-se forasteiro: alguém que depende da hospitalidade, que se dispõe a abandonar seguranças e comodidades para alcançar algo maior.
As grandes peregrinações do cristianismo
Desde os primeiros séculos, os cristãos sentiram a necessidade de visitar lugares ligados à vida de Jesus, dos Apóstolos e dos mártires. Estas viagens tornaram-se formas privilegiadas de professar a fé e de fortalecer a esperança. Mas, que locais os cristãos visitavam?
Sem dúvida, Jerusalém e os seus arredores ocupam um lugar especial na memória cristã. Ir à Terra Santa é visitar os locais onde Jesus nasceu, pregou, morreu e ressuscitou. Desde o século IV, quando o imperador Constantino e sua mãe, Santa Helena, promoveram a construção de basílicas sobre os lugares santos, multidões de fiéis acorrem a Jerusalém, Belém e ao Santo Sepulcro. Peregrinar ali é mergulhar nas raízes da fé cristã, tocar as pedras que testemunharam o Evangelho.
Roma também se tornou um destino fundamental a partir do martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo. Os seus túmulos atraíram peregrinos de todo o mundo, especialmente na Idade Média, quando a cidade se consolidou como centro da cristandade ocidental. Até hoje, visitar Roma é fazer experiência de universalidade: diante da Basílica de São Pedro, o peregrino sente-se parte de uma comunidade que atravessa séculos e continentes.
Outro destino de grandes peregrinações encontra-se na Galiza, noroeste de Espanha, onde se ergue a Catedral de Santiago de Compostela — local onde, segundo a tradição, teria sido levado milagrosamente o corpo do Apóstolo. Desde o século IX, o Caminho de Santiago tornou-se uma das maiores rotas de peregrinação do Ocidente cristão, rivalizando com Roma e Jerusalém. Mais do que o destino, o caminho em si adquiriu valor simbólico: caminhar dias ou semanas, enfrentando sol, chuva e cansaço, ajuda o peregrino a redescobrir a simplicidade e a fraternidade.
Estes três grandes pólos — Jerusalém, Roma e Santiago — moldaram não só a geografia espiritual do cristianismo, mas também a cultura europeia, o desenvolvimento das estradas, da hospitalidade e até das artes. Igrejas, albergues, pontes e hospitais nasceram da passagem de incontáveis peregrinos.
Peregrinar nos dias de hoje
À primeira vista, poderia parecer que a peregrinação perdeu espaço num mundo globalizado, veloz e tecnológico. No entanto, paradoxalmente, ela voltou a atrair multidões. Todos os anos, centenas de milhares percorrem o Caminho de Santiago. Grupos organizam-se para visitar Roma ou a Terra Santa. Outros destinos marianos, como Fátima, Lourdes e Aparecida, recebem milhões de peregrinos anualmente.
O que leva tantas pessoas, em plena era digital, a calçar botas, carregar mochilas e enfrentar longos percursos? Talvez seja justamente a sede de desacelerar, de desligar-se da pressa, de reencontrar o silêncio interior. A peregrinação oferece o que falta à vida moderna: tempo para reflectir, contacto com a natureza, relações humanas gratuitas, simplicidade.
Além disso, a peregrinação continua a ser gesto de fé e de procura. Muitos caminham para agradecer, outros para pedir, outros para reencontrar Deus depois de um tempo de afastamento. Há ainda quem peregrine sem uma fé explícita, mas com desejo de sentido, descobrindo no caminho uma espiritualidade inesperada.
Hoje, peregrinar é também assumir um desafio físico e psicológico. É redescobrir a humildade de depender do passo a passo, de aceitar imprevistos, de pedir ajuda, de conviver com pessoas diferentes. No meio de um mundo marcado pelo individualismo, o peregrino aprende de novo o valor da fraternidade e da solidariedade.
Então, por que a sua próxima viagem deveria ser uma peregrinação?
Escolher uma peregrinação como próxima grande viagem é abrir-se a uma experiência que ultrapassa o simples turismo. Enquanto a viagem comum se encerra no álbum de fotografias ou nas recordações de lugares visitados, a peregrinação permanece como marco existencial. Deixa marcas interiores, fortalece a fé, aprofunda vínculos e oferece respostas que nenhuma paisagem, por si só, poderia dar.
Recentemente, tive a imensa alegria de fazer o Caminho de Santiago de Compostela pela segunda vez. Partindo de Valença do Minho, percorri cerca de 125 km em seis dias de caminhada. Foram mais de 204 mil passos entre pequenas vilas e natureza exuberante, na companhia de conhecidos e desconhecidos, com muita oração e o coração repleto de gratidão a Deus.
Tenho a convicção de que peregrinar é inserir-se numa longa tradição humana e espiritual. É fazer parte de uma corrente de séculos, unir-se a milhões que já caminharam antes, descobrir que a vida é, no fundo, um caminho.
Por isso, da próxima vez que pensar em férias, em conhecer um novo país ou em viver uma grande aventura, considere dar um passo além. Escolha Roma, Jerusalém, Santiago ou algum santuário mais próximo da sua realidade. Permita-se viver não apenas uma viagem, mas uma peregrinação. Talvez descubra que, ao chegar ao destino, já não é o mesmo que partiu…
P. Rodrigo Custódio
Diocese de Campo Limpo (Brasil)
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6 Responses
Que inspiração, querido Padre!
Parabéns pelo texto e por sua disposição física, mental e espiritual para encarar esses desafios!
Querido irmão na Fé, amigo e peregrino.
Que lindo texto, só de ler já dá vontade de fazer novamente outra peregrinação.
Uma experiência impar que cada um deveria experimentar.
Uma leitura inspiradora e revigorante que deixa aquele gosto de “quero mais” (para quem já fez uma dessas e de “tenho que ir” para quem ainda não foi…) e que, sem dúvida, te dá mais ânimo para planejar/programar a sua próxima (ou primeira) peregrinação (eu vou!). Excelente texto! Parabéns Pe. Custódio!
Peregrinar é um mergulho na fé! Renova, refaz nossa alma! E, Terra Santa é sentir Jesus em cada passo! 🙏
Já fiz o Caminho da Fé: Águas da Prata a Aparecida (320 km de bike); em 2027, ano em que, com a Graça de Deus, completarei 70 anos, tenho planos de fazer os 800 km do Caminho de Santiago de Compostela, novamente de bike. Querido Padre Custódio, seu texto fortalece meu propósito e enche meu coração de vontade e ânimo para não só cumprir com este meu plano, mas já pensar em outras peregrinações, Deus assim o permita.
Parabéns querido Irmao na fé e amigo.
Que maravilhosa reflexão do pelegrinar, e com imensa alegria que li este texto.
Deu vontade pelegrinar com vc!
Um Abraço Fraterno.