Por que Juan Diego? A escolha desconcertante de Nossa Senhora de Guadalupe

Juan Diego com Nossa Senhora de Guadalupe

Por que Juan Diego? A escolha desconcertante de Nossa Senhora de Guadalupe

Quando Deus escolhe alguém, fá-lo quase sempre de modo a desmontar as nossas lógicas. A história da salvação é um tecido de escolhas improváveis: pastores que testemunham o nascimento do Messias, pescadores que se tornam colunas da Igreja, uma adolescente de Nazaré que acolhe o Verbo eterno. E, no século XVI, no coração de um México ferido, dividido e vulnerável, essa lógica divina voltou a brilhar numa escolha tão desconcertante quanto providencial: Juan Diego Cuauhtlatoatzin.

A pergunta permanece actual: por que ele? Por que a Virgem Santa, aparecendo no Tepeyac, não se dirigiu a um sacerdote influente, a um líder político, a um espanhol de prestígio ou a um indígena com autoridade reconhecida? Por que escolheu um homem simples, sem instrução formal, viúvo, de vida escondida, que, aos olhos do mundo, jamais seria protagonista de algo grandioso? A resposta encontra-se, talvez, no próprio coração de Maria.

Um povo ferido à espera de esperança

Para compreender a opção de Nossa Senhora, é necessário entrar na paisagem histórica que rodeava Juan Diego. Estamos em 1531, apenas uma década depois da queda de Tenochtitlán. A chegada dos espanhóis trouxera não só um novo poder político, mas também tensões culturais profundas, violência, doenças e um abalo espiritual que desorientara muitos povos originários.

A evangelização, conduzida sobretudo pelos franciscanos, avançava, mas enfrentava resistências e confusões legítimas. Para muitos indígenas, aderir à fé cristã parecia significar perda de identidade. Para muitos espanhóis, por outro lado, os povos nativos eram tratados como inferiores, negando-lhes a dignidade.

Foi neste terreno instável, marcado por desalento e crise, que a Mãe do Céu decidiu intervir. E, como sempre faz, escolheu alguém que encarnava o grito silencioso do seu povo.

Quem era Juan Diego?

Juan Diego não era um líder tribal, não era um sábio e não era um homem prestigiado. Era um simples camponês.

A sua vida manifesta três virtudes que iluminam a escolha de Nossa Senhora: humildade, docilidade e coragem.

Ele percorria quilómetros para participar na catequese e na Missa. Não procurava destaque, não convivia com poderosos, não tinha ambições. A sua humildade não era passiva, mas activa: vivia para escutar, aprender, servir e permanecer fiel à verdade que conhecia.

Foi essa humildade que o levou a dizer à Virgem: «Sou um homem pequeno, um mecapal, uma corda… um humilde súbdito.» Maria não corrige a sua expressão, mas acolhe-a e transforma essa pequenez em disponibilidade para a missão.

A docilidade de Juan Diego é evidente em cada resposta que dá. Quando a Virgem lhe pede que procure o bispo, ele vai. Quando o bispo hesita, ele volta. Quando, aflito pelo tio moribundo, tenta evitar a colina, Maria encontra-o, consola-o e envia-o de novo. Juan Diego não ergue barreiras: deixa Deus conduzir.

A coragem silenciosa do indígena é impressionante. Ele enfrenta o cepticismo, a autoridade e até o risco de parecer ridículo. Sabe que não tem credenciais para ser mensageiro de tão grande sinal, mas confia que cada passo é um acto de fé.

O padrão de Maria

A escolha de Juan Diego não é uma excepção, pois, se observarmos as grandes aparições marianas, vemos um padrão constante. Maria escolhe sempre os pequenos, os puros, os que conservam uma simplicidade que abre espaço para Deus.

Em Fátima, dirige-se a Francisco, Jacinta e Lúcia, três crianças pobres de uma aldeia portuguesa. Em Lourdes, escolhe Bernadette Soubirous, analfabeta, filha de um moleiro arruinado. Em Paris, aparece à jovem Catarina Labouré, noviça discreta das Filhas da Caridade.

Em cada aparição, o Céu repete a mesma pedagogia: quanto menos alguém parecer “importante” aos olhos do mundo, mais livre é para receber, guardar e transmitir a graça.

Juan Diego pertence a essa linhagem dos que acreditam sem exigir provas, obedecem sem procurar reconhecimento e confiam antes de compreender. Por isso, é o mensageiro ideal para a missão da Virgem no Tepeyac.

Uma mensagem que precisava de um coração indígena

É profundamente significativo que Nossa Senhora apareça com elementos compreensíveis para o mundo indígena e fale a Juan Diego em náuatle, a língua do seu povo.

Se Maria tivesse escolhido um espanhol, a mensagem pareceria imposição. Se tivesse escolhido um líder indígena, poderia ser interpretada como gesto político. Ao escolher um homem simples, a Virgem mostra que Deus não se coloca do lado dos poderes humanos, mas favorece a pequenez que O deixa agir.

Além disso, a tilma de Juan Diego (tecido pobre, frágil, de fibras vegetais) torna-se o lugar do milagre. A mensagem é clara: Deus grava a sua beleza naquilo que o mundo costuma desprezar.

O encontro transformador

A confiança que Maria deposita em Juan Diego não é apenas pessoal. Por meio dele, milhões de indígenas compreenderam que o Deus cristão não vinha destruir a sua história, mas assumi-la, curar as suas feridas e elevar a sua dignidade.

A aparição de Guadalupe desencadeou aquilo que muitos reconhecem como um dos movimentos evangelizadores mais impressionantes da história, com incontáveis conversões em poucos anos. Sobre o significado desta aparição, pode ler o artigo já publicado pelo Santuário: «Guadalupe: uma aparição, um mistério e milhares de conversões». E tudo começou com um camponês silencioso que acreditou.

Por que Juan Diego?

Porque Deus ama surpreender, e a lógica do Evangelho passa necessariamente pela pequenez.

Ao recordarmos Juan Diego, recordamos que o Céu continua a confiar em pessoas discretas, escondidas, sem prestígio. Pessoas que, como ele, percorrem longas distâncias para viver a fé, cuidam dos seus, permanecem dóceis, obedientes, corajosas e abertas à graça.

A pergunta final talvez seja esta: por que motivo Maria não nos escolheria também? Com a mesma paciência, ternura e confiança, a Mãe do Céu continua a procurar corações disponíveis para levar ao mundo a mensagem do seu Filho.

Que São Juan Diego nos ensine a viver assim: pequenos, fiéis e inteiros nas mãos de Deus.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *