No percurso que temos vindo a realizar para bem celebrarmos o centenário da instituição da Solenidade de Cristo Rei, apresentamos mais um texto deste itinerário espiritual, destinado a iluminar o caminho dos fiéis rumo à vivência plena do Reino de Deus.
O que significa viver o Reino de Deus nos dias de hoje? Será a santidade uma realidade reservada a poucos, ou uma vocação possível para cada um de nós? Ao longo da história da Igreja, homens e mulheres responderam a estas questões através da entrega generosa das suas vidas a Cristo. Estas pessoas são os santos que, vivendo sob o manto de Cristo, tornaram o Reino visível e acessível a cada um de nós.
O Reino de Deus não é um sonho longínquo, muito menos uma realidade que apenas se concretizará no fim dos tempos. É uma presença que toca, aqui e agora, a realidade da vida das pessoas. No centro da pregação de Jesus, encarnado no meio do Seu povo, escutou-se o próprio Cristo afirmar: «O Reino de Deus está próximo de vós» (Lc 10, 9). O Reino de Deus é um dom vivido na humanidade, que começa no coração de cada pessoa que se deixa transformar pela graça de Cristo.
Reino instaurado pelo próprio Senhor — fonte e origem —, iniciado com Ele aqui na terra e que terá a sua plenitude na vida eterna. Segundo São Jerónimo, presbítero dos séculos IV e V, a presença do Reino dos Céus encontra-se nas pessoas. Por isso, é necessário rezar para que o Senhor tome as suas vidas pela mão, para que se levantem, sirvam os outros e a Cristo.
Perante esta realidade, o Senhor deseja que o Reino esteja presente desde já em todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou condição, chamando-os à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Todos são chamados, pela graça de Deus — que coopera em tudo para o bem daqueles que O amam — a viver uma vida santa, justificada e glorificada (cf. Rm 8, 28-30). Sendo que a perfeição de Cristo só tem um limite: ser ilimitada. O caminho da santidade é um processo contínuo e progressivo, uma união íntima e mística que faz frutificar abundantemente a santidade do povo eleito, tal como luminosamente testemunharam alguns homens e mulheres que transformaram a história da Igreja.
Ao longo da história da fé da Igreja, muitos homens e mulheres deram continuidade ao mérito da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos trouxe, pela cruz, a salvação e o acesso à vida nova. Todo o mérito pertence a Deus. A colaboração humana é fruto de uma relação íntima e de uma configuração plena da vontade humana à vontade divina.
Assim, inúmeros santos testemunharam profundamente esta experiência. Com vidas doadas, dando testemunho de uma coerência entre fé e obras, anunciaram o Evangelho e tornaram-se poderosos exemplos da presença de Deus vivida no seu tempo. Neste artigo, iremos aprofundar a vida de dois santos extraordinários — São Francisco de Assis e Santa Teresa de Ávila — que, vivendo plenamente para Cristo, deixaram um legado de fé, caridade e esperança.
São Francisco de Assis: o Evangelho em sandálias
São Francisco (baptizado com o nome de Giovanni di Pietro di Bernardone), nasceu em 1182, na cidade italiana de Assis. Filho de Pietro Bernardone, um comerciante abastado, viveu a juventude com espírito alegre, vaidoso e ambição de seguir a carreira militar. Contudo, teve um encontro profundo com Cristo crucificado que alterou para sempre o rumo da sua vida. O próprio Francisco relata, no seu testamento, um dos momentos marcantes da sua conversão:
«O Senhor deu-me, a mim, frei Francisco, a graça de começar a fazer penitência assim: como vivia em pecado, parecia-me extremamente amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e manifestei-lhes misericórdia. Afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo converteu-se para mim em doçura de alma e de corpo. E, depois disso, esperei um pouco e saí do século.»
Ao contemplar os sofrimentos de Cristo nos mais pobres e leprosos, Francisco sentiu o apelo a renunciar a tudo o que possuía, escolhendo uma vida de pobreza radical e vivendo o Evangelho à letra.
Essa escolha exigiu-lhe um gesto radical: diante do bispo e do seu pai, que o acusava de loucura, Francisco despojou-se das suas vestes, entregando-se à Providência divina e assumindo Deus Pai como o único Pai do Céu. Saiu sem posses, alegre, para viver e anunciar o Evangelho, sem levar nada pelo caminho.
A contribuição de Francisco para o Reino
Uma das contribuições mais belas de São Francisco na vivência do Reino de Deus foi inverter a nossa percepção do Céu. Ao pensarmos no Céu, imaginamos um lugar distante, tão alto que perdemos a noção da proximidade. Mas Francisco dizia:
«Porque Vós, Senhor, sois Amor, habitais neles e os plenificais para a bem-aventurança. Porque Vós, Senhor, sois o Sumo Bem, o Bem eterno, de onde provém todo o bem, sem o qual não há bem algum.»
Não é o Céu que está longe de nós, mas Deus que quer habitar no mais íntimo de cada um, tornando o Reino próximo, dentro dos corações que O acolhem com amor.
Francisco viveu o Reino renunciando às riquezas, ao poder e às ambições pessoais segundo os valores deste mundo, para glorificar a Deus com a sua vida, pela via da simplicidade evangélica. Fundando a Ordem dos Frades Menores, atraiu muitos a seguirem-no entre os pobres, confiando unicamente na providência divina.
A sua espiritualidade era profundamente encarnada. A sua ligação à natureza e às criaturas tornaram-no autor de belíssimos louvores como o Cântico das Criaturas, onde se exalta a Deus pelo irmão sol, pela irmã lua… O seu olhar, iluminado por Cristo, foi luz para os que andavam nas trevas, instrumento de paz, presença viva de Cristo nos pobres, nos doentes e esquecidos. Louvava o Pai e unia as criaturas ao seu Criador.
Um modelo de transformação
Francisco foi resposta profética à Igreja do seu tempo. Viveu o Evangelho com radicalidade e autenticidade, contagiando todos à sua volta. Um dia, chamou um frade e disse: «Vamos à cidade pregar o Evangelho». Caminharam em silêncio pelas ruas, até que o frade perguntou: «Pai Francisco, não íamos pregar o Evangelho?». Ao que ele respondeu: «Já o fizemos. Pregámos com a nossa presença, com o nosso modo de estar, com o nosso silêncio cheio de paz. As pessoas precisam de ver o Evangelho vivido antes de o ouvirem pregado».
Este é o modelo de transformação que Francisco impulsionou na Igreja: um testemunho forte e presente do Reino de Jesus, vivido e concreto. Morreu em 1226, pobre e feliz, recitando o Salmo 141. Foi canonizado apenas dois anos depois e permanece, até hoje, um dos santos mais amados e imitados em todo o mundo.
Santa Teresa de Ávila e o castelo interior do Reino
Santa Teresa nasceu em Ávila, Espanha, em 1515. Entrou para o convento da Encarnação, em Ávila, com 21 anos. Na meia-idade, sentiu o chamamento para reformar a Ordem Carmelita, desejando uma vida religiosa mais austera e centrada na oração. Em 1562, fundou o primeiro convento das Carmelitas Descalças: São José de Ávila. Ao longo de vinte anos, fundou dezassete conventos, enfrentando muitas provações e dificuldades.
Teresa foi uma grande mestra espiritual e deixou-nos uma frase que resume a sua força de vontade em buscar, sem esmorecer, a união com Deus:
«Para os que quiserem seguir este caminho [de oração e intimidade com Deus], que os levará a beber desta água da vida, digo que é importantíssimo começar com uma determinada determinação! E não parar até chegar a ela [a união com Deus], venha o que vier, custe o que custar, murmure quem murmurar, mesmo que se morra no caminho…» (Caminho de Perfeição, XXI, 2).
Mais do que reformadora, Teresa foi uma mística profunda e sábia, cujos escritos iluminaram a Igreja. O seu livro O Castelo Interior é uma das maiores obras da espiritualidade cristã. Nele descreve a alma como um castelo com várias moradas, e o caminho da oração como a via que leva à união íntima com Deus.
Contributo de Santa Teresa para o Reino
Teresa viveu intensamente o Reino de Cristo no seu coração e, ao mesmo tempo, de forma concreta no mundo. Viveu o equilíbrio entre vida contemplativa e vida activa. Enfrentou doenças, oposições e incompreensões, mas confiou sempre em Deus, a quem chamava com ternura: «o meu Bom Jesus».
A sua espiritualidade era profundamente cristocêntrica: tudo em Teresa convergia para Cristo. «Quem não procura senão agradar a Deus, há-de andar contente em tudo», escrevia. A oração, para ela, era uma relação viva com Aquele que habita no centro da alma e que deseja reinar em nós.
Uma mulher à frente do seu tempo
Santa Teresa, sob o manto de Cristo, implantou o Reino com ousadia e liberdade, obedecendo profundamente à vontade de Deus. Lutou com coragem contra a Inquisição, contra autoridades eclesiásticas e contra os limites impostos às mulheres do seu tempo. O seu legado espiritual transcendeu a sua época. Em 1970, foi proclamada Doutora da Igreja por São Paulo VI, tornando-se a primeira mulher a receber tal título.
Viver o Reino hoje: o testemunho dos santos
Os santos não foram perfeitos, mas encontraram, no meio das suas fragilidades, um caminho de conversão, procurando viver segundo a vontade de Deus. A santidade é possível — é uma vocação real e concreta. Viver sob o manto de Cristo é permitir que Ele molde em nós o coração do Reino.
E nós? Olhando para estes dois grandes santos, interrogamo-nos: temos vivido o Reino? A nossa fé transforma-nos? Ele reina nos nossos pensamentos, corações e decisões?
A santidade não está confinada a mosteiros, conventos ou altares. É um caminho possível a todo cristão que, na sua vida quotidiana, escolhe o bem, pratica a oração, exerce a paciência, perdoa, ama e serve. O Reino está no meio de nós. Que possamos, como Francisco e Teresa, torná-lo visível no nosso tempo.