Vivemos numa era tecnológica, na qual a internet oferece grandes possibilidades de encontro, contacto e conexão. Segundo o relatório Digital 2024, elaborado pela We Are Social & Meltwater, os portugueses passam, em média, 141 minutos por dia nas redes sociais. Este valor evidencia a crescente tendência de estarmos cada vez mais online e conectados, diluindo, por vezes, os contornos do que verdadeiramente importa ao nosso coração e à nossa fé.
Acontece que, embora a tecnologia tenha trazido inúmeros avanços e benefícios, também exige prudência. Deve ser orientada para o bem comum, funcionando como instrumento ao serviço das pessoas e respeitando a sua história, cultura e tradições — nunca se tornando um ídolo que, mal utilizado, possa levar-nos a perder a nossa humanidade e, por conseguinte, a nossa alma.
Estar constantemente online, ser notificado a todo o instante, procurar o prazer em ver e ser visto, gostar e ser gostado, partilhar, difundir, comentar e ser comentado… tudo isto pode distrair profundamente o nosso olhar, levando-nos a viver mais na realidade virtual do que na real. Quanto mais tempo nos mantemos fora de nós, mais nos afastamos do momento presente e, tantas vezes, da própria graça de Deus.
Não basta estarmos fisicamente presentes; é necessário estarmos também com a mente, o coração e o espírito. O telemóvel faz com que muitos, mesmo sentados à mesma mesa, estejam ausentes — deslizando os dedos pelo ecrã, estão online para o mundo digital, mas offline para a família e para quem está realmente ao seu lado.
«O essencial é invisível aos olhos» — dizia o Pequeno Príncipe. Com a proliferação dos ecrãs, muitas vezes, o essencial torna-se invisível ao coração.
Mesmo nas igrejas e nos momentos de oração, a realidade virtual acompanha-nos: o toque do telemóvel, as constantes notificações, trazem consigo o ruído da distracção, roubando à alma o silêncio de que tanto necessita para o verdadeiro encontro com Deus. A oração exige escuta e silêncio, e estes são cada vez mais difíceis de alcançar.
É imperioso estarmos vigilantes quanto à distracção digital — porque ela rouba-nos o tempo destinado ao que é mais sagrado: à oração, ao contacto com os filhos, ao prazer da leitura da Palavra, à generosidade de visitar um doente, à escuta atenta de um amigo — não de modo superficial, como nas redes, mas com a profundidade que a vida real exige.
Este artigo propõe uma reflexão: estamos inúmeras vezes online, conectados a tantas coisas… mas estaremos verdadeiramente conectados com Deus? Num tempo que passa a correr, em que todos parecem ocupados e cheios de compromissos, por que razão, mesmo assim, tanta gente se sente vazia de sentido, árida e sem frutos?
Estar cheios de tudo, mas sem a presença de Deus, é um risco para a alma. Como afirmava Santa Teresa de Calcutá:
«Só quando percebemos o nosso nada, o nosso vazio, é que Deus pode encher-nos de Si mesmo. Quando estamos cheios de Deus, podemos dar Deus aos outros.»
A nossa alma anseia por habitar em Deus. Mas isso exige libertar-se das ocupações vãs e recolher o coração e a mente em oração silenciosa e atenta.
Diante deste contexto, fica o convite a cada um: como viver, no mundo digital, sem perder o essencial da fé e da presença? O Santuário propõe quatro ideias simples, concretas e actuais, inspiradas na experiência cristã e na sabedoria espiritual, para ajudar a manter o coração orientado para Deus, mesmo em tempos de permanente conexão digital:
1. Começar o dia com Deus, e não com o ecrã
Evitar o uso do telemóvel ao deitar. A luz azul que emite inibe a produção de melatonina, a hormona do sono, mantendo o cérebro em vigília e dificultando o repouso. Momentos que poderiam ser de gratidão e entrega a Deus acabam frequentemente ocupados por notícias negativas, mensagens de trabalho ou conteúdos supérfluos — gerando ansiedade, stresse e dispersão.
Rezar com o salmista:
«Em paz me deito e logo adormeço, pois só Tu, Senhor, me fazes viver em segurança.» (Salmo 4, 9)
Dar a última palavra do dia a Deus. E, ao acordar, evitar pegar imediatamente no telemóvel — antes, saudar o Senhor, consagrar-Lhe o novo dia e procurar alinhar-se com os compromissos que se tem para com Ele.
Colocar a Bíblia na mesa-de-cabeceira, um terço ou um livro de espiritualidade. Ao despertar, dedicar alguns minutos ao Senhor da alma, pedindo-Lhe luz, sabedoria e força para viver segundo a fé.
Dar prioridade a Deus é, em última análise, optar por ser discípulo e não escravo da realidade digital.
2. Redescobrir o valor do silêncio e da contemplação
Como já se viu, a alma precisa de silêncio para se encontrar com Deus. O uso excessivo de ecrãs pode tornar a mente cativa, distraída, dividida — roubando a atenção e o olhar.
O ruído constante, seja visual ou sonoro — reels, stories, feeds — sufoca a alma. E uma alma sufocada vive no automático, de forma reactiva e, muitas vezes, vazia.
A alma precisa de respirar.
E o oxigénio da alma é o silêncio.
Sem a presença de Deus, não é possível viver plenamente. Por isso, há que escolher momentos de silêncio, longe das telas, para escutar a voz de Deus.
Dedicar tempo a caminhar em silêncio, contemplar a natureza, adorar o Santíssimo Sacramento. No deserto digital, encontrará o Deus que fala ao coração.
3. Usa as Redes Sociais como Instrumento, não como identidade
As redes sociais são ferramentas úteis de comunicação. Permitem conectar pessoas, mesmo à distância, e têm o seu valor. O problema não está na ferramenta, mas em quem a utiliza — e com que intenção.
Usadas como meio, são válidas. Mas, quando se tornam o lugar onde se constrói uma identidade — baseada em likes, partilhas e aprovação — passam a ser perigosas.
Essa busca por validação digital tem causado ansiedade, baixa auto-estima e isolamento. É necessário redefinir o que significa “estar conectado”. A fé recorda que a identidade humana é dom, não construção: cada pessoa é filha amada de Deus.
Rever a presença digital. O que se publica edifica? Liga a alma — e a dos outros — a Deus? Seguem-se bons exemplos? Evangeliza-se pelo testemunho?
4. Redefinir o que significa “Estar Conectado”
Descobrir a alegria do momento presente. O Céu não se limita a um feed, mas começa quando se vive com presença verdadeira. O próprio Jesus disse:
«Pois onde dois ou três estão reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.» (Mt 18, 20)
Nada substitui o olhar atento, a escuta paciente, o toque sincero. As redes sociais podem dar a ilusão de companhia — mas, ao mesmo tempo, provocar uma solidão profunda.
Desligar-se da companhia digital e ligar-se a quem está presente. Jantar em família. Rezar com os seus. Conversar. Jogar. Visitar alguém que precise. Ligar-se a Deus. Ele espera por cada um.
Conclusão
É necessário encontrar equilíbrio entre a vida real e o uso do digital. Escolher estar online com o Céu. Viver a profundidade das relações verdadeiras.
O Papa Francisco, na Christus Vivit, diz:
“A vida não é apenas uma tela onde se projectam imagens, mas um caminho, uma história, uma relação verdadeira.” (CV 104)
Não se perca a alma com o rodar do feed.
Rode-se antes o coração para Deus.
“Corações ao alto! O nosso coração está em Deus!” — para se viver conectado com a verdadeira rede: a comunhão dos santos, a Palavra viva e o Corpo de Cristo.
Desligar-se do ruído,
para escutar o silêncio no coração.
Desligar-se do clique do imediato,
para saborear a plenitude do eterno.
Desligar as telas,
para ligar o coração.