O Tabu do Sofrimento e a Saúde Mental: Até Quando o Vamos Esconder?

Jovem em reflexão - Saúde Mental

O Tabu do Sofrimento e a Saúde Mental: Até Quando o Vamos Esconder?

O Peso Invisível: O Tabu do Sofrimento na Saúde Mental

Falar abertamente sobre o que nos dói por dentro, sobre as angústias que nos consomem ou sobre a tristeza que teima em não ir embora, continua a ser um desafio. O tabu do sofrimento é uma realidade que afecta milhares de pessoas, levando-as a esconder as suas batalhas internas por medo do julgamento, da incompreensão ou da estigmatização. Este sofrimento escondido não é sinal de fraqueza, mas consequência de uma cultura que, muitas vezes, nos ensina a «aguentar» e a «não dar parte de fraco».

A saúde mental é tão crucial quanto a saúde física, mas raramente recebe a mesma atenção. Se partimos um braço, procuramos o médico sem hesitação. Se sentimos dor no peito, corremos ao hospital. Mas e quando a dor é na mente? Aí, muitas vezes, optamos pelo silêncio, pela negação, pela esperança de que «vai passar». Esta atitude, embora compreensível face às pressões sociais, pode ter consequências graves, transformando um mal-estar passageiro em condições crónicas e debilitantes

A cultura do «aguentar» e o silêncio

Desde cedo, muitos de nós aprendemos a ser fortes, a superar obstáculos sem queixumes. Esta resiliência, embora valiosa, pode transformar-se numa armadilha quando falamos de emoções. A ideia de que «lavar a roupa suja em casa» se aplica também aos sentimentos mais profundos cria uma barreira para quem precisa de desabafar.

O medo de ser visto como «louco», «fraco» ou «incapaz» leva muitos a esconder o seu sofrimento, isolando-se e agravando a sua condição. Este silêncio, transmitido por gerações, reforçou a noção de que a saúde mental era tabu e associada apenas a doenças graves e incuráveis. Embora a sociedade tenha evoluído, os ecos dessa mentalidade ainda persistem, dificultando a abertura e a procura de ajuda. Procurar apoio é um acto de coragem e autoconhecimento, não de fraqueza.

Dados alarmantes: a realidade da saúde mental

A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que as perturbações mentais estão entre as principais causas de incapacidade no mundo. Em Portugal, a situação não é diferente:

  • Depressão e Ansiedade: das perturbações mais comuns, muitas vezes interligadas.
  • Burnout: o esgotamento profissional é cada vez mais frequente em ambientes de trabalho exigentes.
  • Impacto na Qualidade de Vida: afectam não só o indivíduo, mas também as suas relações e desempenho profissional.

Estes dados sublinham a urgência de abordarmos o tabu do sofrimento de forma aberta e construtiva.

Reconhecer não é ser vítima: é ser responsável

Muitos ainda acreditam que expressar dor ou vulnerabilidade é «vitimizar-se». Nada mais distante da verdade. Reconhecer o sofrimento não é colocar-se como vítima, mas assumir responsabilidade pela própria saúde mental e bem-estar. É um acto de autoconsciência e amor-próprio, que abre caminho à recuperação e ao crescimento pessoal.

Dor e sofrimento crónico: a diferença necessária

A dor faz parte da vida: perdas, desilusões, frustrações… todos passamos por momentos difíceis. Mas o sofrimento torna-se problemático quando se prolonga, paralisa e impede de viver plenamente. Ignorar a dor mental é como ignorar uma ferida que não cicatriza: com o tempo, agrava-se. O mesmo acontece com a mente.

O mito da força e a vulnerabilidade necessária

A sociedade glorifica muitas vezes a força como a capacidade de suportar tudo em silêncio. Mas a verdadeira força está em reconhecer limites, pedir ajuda e permitir-se ser vulnerável. A vulnerabilidade não é fraqueza: é a porta para a ligação humana, a empatia e a cura.

Ao partilhar o sofrimento, liberta-se um fardo e abre-se espaço para que outros façam o mesmo. Quebrar o ciclo do silêncio é um acto transformador que beneficia a todos.

O caminho para o apoio: de pessoas de confiança à ajuda profissional

Um dos maiores obstáculos é a relutância em procurar apoio. Mas não é preciso enfrentar o sofrimento sozinho. O primeiro passo pode ser conversar com alguém em quem confia.

Autoavaliação: preciso de ajuda profissional?

Pergunte-se:

  • Sente tristeza persistente ou perdeu o interesse em actividades que antes apreciava, há mais de três meses?
  • Vive ansiedade excessiva, preocupação constante ou ataques de pânico que o impedem de cumprir tarefas diárias?
  • Sofre de insónias ou alterações significativas de apetite?
  • Sente exaustão constante e desmotivação que não melhora com descanso?
  • Tem-se isolado socialmente ou sente dificuldade em manter relações?
  • Tem pensamentos negativos recorrentes ou sentimentos de desesperança?

Se respondeu «sim» a várias destas perguntas, pode ser hora de procurar ajuda psicológica profissional.

O valor de pessoas de confiança

Antes ou em paralelo com a ajuda especializada, o apoio de pessoas de confiança é fundamental.

  • Amigos e familiares – alguém que escute sem julgamento pode trazer enorme alívio.
  • Líderes religiosos ou comunitários – padres ou outros líderes podem oferecer escuta, conforto e orientação espiritual.
  • Mentores ou colegas de confiança – especialmente quando o sofrimento está ligado ao ambiente laboral.

A ajuda profissional: psicólogos e psiquiatras

  • Psicólogos – ajudam a compreender padrões de pensamento, a desenvolver estratégias e a processar emoções.
  • Psiquiatras – médicos que diagnosticam e tratam perturbações mentais, podendo prescrever medicação quando necessário.

Muitas vezes, a combinação de terapia e medicação é a abordagem mais eficaz.

Desmistificar a terapia: não é sinal de fraqueza

A terapia é um espaço seguro e confidencial, onde se pode explorar sentimentos sem julgamento. Não é sinal de fraqueza, mas de inteligência emocional e desejo de viver melhor. É tempo de normalizar a terapia como ferramenta essencial da saúde mental.

Prevenção e bem-estar: cuidar de si e dos seus

Cuidar da saúde mental é um acto contínuo de amor e responsabilidade. Não é apenas reagir quando já há sofrimento, mas adoptar práticas de bem-estar no quotidiano.

Pequenos passos que fazem a diferença:

  • Autoconsciência: esteja atento aos seus sentimentos.
  • Rotina saudável: durma bem, alimente-se de forma equilibrada, mantenha actividade física.
  • Vida social: preserve laços de amizade e família.
  • Tempo para lazer: dedique-se ao que lhe dá prazer.
  • Recolhimento e atenção plena: momentos de silêncio, oração ou práticas de serenidade ajudam a gerir o stress.

O impacto na família e nos amigos

Quando alguém sofre em silêncio, o impacto recai também sobre quem o rodeia. Familiares e amigos sentem impotência e preocupação. Ao procurar ajuda, a pessoa não só beneficia a si própria, mas também abre caminho para que os seus entes queridos façam o mesmo, criando um ambiente de apoio e compreensão.

Recursos e apoios disponíveis

Em Portugal existem várias opções de apoio à saúde mental: consultas no Serviço Nacional de Saúde, clínicas privadas e plataformas online. Pesquise e encontre o que melhor se adapta às suas necessidades.

O poder de quebrar o silêncio

O tabu do sofrimento é uma barreira que precisa de ser derrubada. Reconhecer que se está a sofrer, que é legítimo pedir ajuda, e que o sofrimento não define quem somos, é o primeiro passo para a cura.

Ao quebrar o silêncio, não só se liberta a si mesmo, como contribui para uma sociedade mais empática e saudável. Não espere que a dor se torne insuportável. Dê o primeiro passo hoje. A sua mente e o seu coração agradecem.

Texto de Luciene Mello, Psicóloga.
Encontre-a também no Instagram:@lucienemello.oficial, @sheriseconsulting

2 Responses

  1. Perfeito. Viver com quem tem uma doença mental, é extremamente desafiador e exaustivo. Definir limites, identificar gatilhos, ser apoio… dentre tantas outras posturas onde precisamos escolher ter e ser pra quem luta sem trégua esta batalha, não é simples nem confortável. Mas é sim possível. Lembrando que também somos vulneráveis e muitas vezes impacazez de tirar a dor ou o sofrimento. Mas permanecer no amor e com amor, pra mim, é o segredo.
    Minha gratidão pelo assunto abordado aqui, e peço as vossas orações.

  2. Texto irretocável. Ainda bem que a consciência de um ideal em saude mental tem crescido cada vez mais, mas infelizmente, ainda é um tabu falar sobre saude mental e admitir a necessidade de ajuda psicológica em muitos circulos sociais. Parabens Luciene pelo texto.

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